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Por Iago Menezes aka Pivete @Visualbypivete




No último domingo, dia 1º, fui à exposição "FUNK: Um Grito de Ousadia e Liberdade", em cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR) até 24 de julho de 2024. A mostra apresenta mais de 100 artistas brasileiros e estrangeiros, exibindo quase mil obras que fazem referência ao contexto do funk carioca. Conta com consultoria da histórica funkeira Deize Tigrona. A exposição busca narrar a história do funk e sua sonoridade. Ao passar pela catraca que marca o início da visita, somos confrontados, logo no começo, com a visão correta de que o funk é fruto da cultura popular de um povo majoritariamente negro e periférico. Duas projeções se confrontam e abrem espaço para uma comparação: do samba dos passistas de carnaval até o passinho do funk, existem grandes semelhanças que explicitam a influência e a história desse movimento, igualmente criminalizado e estigmatizado por envolver corpos negros. Porém, ambos são apropriados, romantizados, popularizados e ressignificados a serviço do capital.


Mesmo em um dia chuvoso, a exposição estava movimentada e a chuva não inibiu as pessoas de visitá-la. O MAR estava bastante agitado. Destaquei a beleza dos "bombs" iluminados por luzes negras que nos guiam para os outros núcleos da exposição. Lá são apresentadas a influência da cultura Hip Hop no funk. Não podemos esquecer do Miami Bass, que é um subgênero do Hip Hop que se popularizou nos EUA e serviu como base para o início do Funk Carioca. Assim como os Bailes Blacks, a música funk de James Brown, as referências trazidas por Tim Maia e o Movimento Black Rio, entre outros, serviram de referência para o funk na cidade maravilhosa.



Nessas quase mil obras espalhadas por 11 núcleos que dialogam entre si, conseguimos perceber o funk como uma potência para o empoderamento feminino, negro e LGBTQIAPN+; uma ferramenta de valorização da cultura negra e periférica; um gênero criminalizado; uma sonoridade que ultrapassa as fronteiras da favela.

Ainda no MAR, visitei a exposição "Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os Brasileiros", em parceria com o Instituto Moreira Salles, que apresenta mais de 400 obras e aborda a história da escritora, compositora, cantora e poetisa brasileira Carolina Maria de Jesus, também negra e de origem periférica. Seu livro de estreia, "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", publicado em 1960, foi impactante para mim quando o li pela primeira vez na biblioteca do Ciep Brizolão, onde cursei todo o ensino fundamental e médio. Não havia lido nada semelhante antes; na verdade, não tinha ideia de que pessoas como eu poderiam escrever livros, muito menos publicá-los. Através das linhas daquele livro, percebi que a vida poderia ter sido muito mais injusta e miserável, mas também encontrei esperança de um dia ter minha própria voz, de ser alguém.



Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra da favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo, que sustentava a si mesma e seus três filhos como catadora de papel, superou todas as adversidades e publicou um livro que vendeu mais de 400 mil exemplares, foi traduzido para treze idiomas e distribuído em mais de quarenta países. Ela foi alguém. Lembro-me de subir e descer o morro barrento, de limpar o tênis nas poças de água e na grama. Recordo-me dos dias lendo aquele livro que mais parecia uma grande poesia na biblioteca da escola. Foi lá que li meus livros favoritos: "Cidade de Deus", de Paulo Lins, "Capão Pecado", de Ferréz, e "Quarto de Despejo", de Carolina. Livros escritos por negros, periféricos, como eu. Acho que foi perfeito ter as duas exposições abertas no mesmo local, pois o funk também é uma ferramenta de denúncia, assim como as páginas do diário de Carolina. O funk é político, periférico, negro, criativo e revolucionário, assim como nossa escritora do Canindé.


Nesse mesmo dia no MAR, debaixo de chuva, em uma tarde fria de domingo, antes de explorar a exposição, ao comprar o ingresso, recebi um cartão do "Curta!On", uma plataforma de streaming de documentários, que me presenteou com um mês grátis de acesso à plataforma. Ao chegar em casa, logo decidi estrear, afinal, quando se ganha algo de graça sendo pobre, é realmente especial. Assisti à série documental "Balanço Black", cujo segundo episódio intitulado "Família Black" conta a história de como Toni Tornado venceu o Festival Internacional da Canção (FIC 1970) com "NA BR-3" e deu início ao movimento "black power" brasileiro. Além disso, mostra como, no mesmo festival, surge a primeira banda black brasileira: Dom Salvador e Grupo Abolição, que foram influências diretas e indiretas para o Funk carioca. O documentário de Flávio Frederico é notavelmente rico e de uma qualidade espetacular. Foi exatamente a inspiração que eu precisava para escrever este diário. Toda essa experiência foi compartilhada com uma pessoa muito especial que conheci recentemente, tornando esse dia ainda mais memorável e facilitando a escrita destas palavras.


"Diário do Pivete" é o meu diário, uma etnografia das minhas vivências pela antiga capital do Brasil.

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“Fetiche” (2023) de Yung Vegan foi uma das melhores descobertas musicais que tive recentemente. Yung Vegan é singular; suas rimas parecem inacabadas e seu flow é simples, às vezes caminhando em direção contrária ao beat. No entanto, todas as suas músicas contam com uma profundidade que poucos conseguem alcançar. Me lembra os sons de Makalister em seus primeiros trabalhos, ou os sons de Lessa Gustavo e Davzera. Entretanto, é necessário muito esforço para comparar esses trabalhos, então evito para não correr o risco de parecer forçado.


Yung Vegan fala sobre o seu íntimo em suas rimas sujas. Em “Antes do Fim da Trama”, que abre o EP, o artista trata sobre o fim e sua luta contra o mesmo. Dinheiro, ruas, filosofia, cinema, referências à cultura pop e muita vivência. Yung Vegan, em seu Instagram, falou que o EP fala mais sobre “o uso de habitar o mundo com o corpo que tenho” do que práticas descritas no cso (sic)”. É sobre o seu corpo, o espaço físico, suas vivências, sua materialidade. É sobre o desejo, o fetiche, e poderes sobrenaturais.


Em “Polo Usa”, ele lança em um Boom Bap as rimas mais sujas do EP, falando sobre suas vitórias e lutas através de rimas “fáceis”. Em “Ducati”, ele acelera pela contramão, passando a visão de um roteiro clichê, de uma sociedade que se encanta e cai pelos mesmos fetiches materializados em bens de consumo ou desejos carnais. No som “Ryoko”, nosso “pequeno vegano” procura ouro na galáxia, longe do alcance do sonar em uma nave sequestrada. Podemos concordar que Yung Vegan não é deste mundo; suas rimas e flow vêm de outro lugar, e sua simplicidade é seu maior diferencial. Simples, mas complexo.


Os beats são sensacionais; o EP conta com dois beats dos beatmakers vinicreizi e bolim batidas cada, muitos samplers e classe. “Fetiche” é uma pequena obra de arte, quatro sons que apresentam esse artista enigmático e incrível que é Yung Vegan."



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"De Morreba a Vsl" ou de "Caxias até Seropa", nas ruas da "Baixada Cruel", existem "Mozart" e "Ratos". Nas ruas de Gramacho, nas vielas da Vila São Luiz, nas praças do Centro, os caxienses fazem arte. A cidade mais rica da Baixada Fluminense esbanja cultura, seja em seus museus, teatros e bibliotecas, no público ou no privado, na rua, nas praças, na favela ou na pista. Duque de Caxias oferece uma gama de artistas que enriquecem ainda mais sua cidade, de todas as formas, mesmo que o reconhecimento do poder público ainda seja escasso.


No dia 10 de setembro, fui ao evento "JamaiCaxias", localizado na Praça Humaitá, que se descreve em sua bio do Instagram como "Conexões afro-periféricas através da linguagem cultural Dancehall". Trampo fino, evento de qualidade, com vários artistas que já fazem estrago na cena underground. Dancei muito, fumei uns, bebi uns latões e observei. Observei e me perguntei: "O que tem de diferente nas águas caxienses?" ou "O que explica essa efervescência e miscelânea de talentos?". É necessária uma pesquisa mais profunda para descobrirmos, porém é nítido que existe um movimento e um esforço da própria juventude local para que se tenha esse tipo de rolê na cidade. Durante o evento, encontrei diversos artistas e personagens que compõem diretamente ou indiretamente a cena underground e da música de rua de Duque de Caxias, do Rio de Janeiro e, consequentemente, do Brasil.






O evento em si reuniu talentos como ANTCONSTANTINO, Taleko, TerroBixa, Marcelinho da Lua, PH Selecta, Jammy Luv e Afrok, que veio diretamente de BH. Cervejinha barata, estrutura boa e muita gente bonita. Foi um sucesso; eu, particularmente, dancei sem coordenação motora nenhuma ao som dos diversos remixes que fizeram meu corpo balançar. Encontrei Rojão, Xari, Dj Java e Jef Rodriguez por lá. Quando pensei em escrever sobre esse rolê, fiquei indeciso sobre o que falar. Fiquei feliz e surpreso por ter a oportunidade de curtir um evento dessa qualidade pertinho de casa, na Baixada Fluminense. Já aproveitando, não esqueça de seguir o Instagram do @jamaicaxias para não perder os próximos eventos. No evento, ouvi falar sobre um tal de ondapesa, que era um som diferente e que eu deveria ouvir. Já no caminho para casa, dentro do Uber, decidi ouvir uma música chamada “Traz pra mim”, do amigo “onda pesada”, com participação de Xard Bxd e realmente a onda pesou. Óbvio que positivamente. Acho que a melhor descrição do som do @ondapesa está na sua bio do Spotify: “música eletrônica marolenta e atitude punk”, com aquele toque caxiense que torna tudo mais interessante. “De Morreba a Vsl” é um desses sons que ouvi várias vezes para conseguir absorver todas as informações, não porque a letra seja complexa ou difícil de entender, mas devido à música eletrônica “marolenta misturada com uma atitude punk do car@lho” - essa aspa é minha e os palavrões também.




No som 'Ratos', que conta com a participação do Xari - outro talentoso artista caxiense -, somos agraciados com ainda mais atitude punk mesclada com música eletrônica envolvente. Eu, particularmente, sinto-me sendo guiado pelo flow do Xari para um rolê chapado por Caxias. Uma música memorável que ouvi centenas de vezes em loop. Até o momento, há poucas músicas do 'heavy wave' no Spotify, apenas quatro, incluindo 'Tiredness', seu primeiro lançamento cantado totalmente em inglês, o qual difere bastante dos últimos lançamentos. Vale muito a pena conferir o trabalho do amigo. Depois, descobri que o ondapesa também estava no evento 'Jamaicaxias'. Por isso, sempre digo que tudo está interligado; vivemos em redes. Prova disso é que amanhã (30) acontecerá um evento do 'Crew da Pesa' - selo de música independente de Duque de Caxias - em parceria com 'Meu caso é grave', que 'só' conta com a participação de Ondapesa, Rojão, Xari e Gazza em sua lineup, e que será realizado no @Jardim125 em terras caxienses. É, pessoal, há algo de diferente em Duque de Caxias quando o assunto é música. Em breve, escreverei mais sobre isso; por enquanto, é só.


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