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Consciência




Pulo de um texto a outro como um macaco pula entre galhos. Fujo da responsabilidade de ter de concluir um raciocínio por uma espécie de radicalismo teimoso e bobo. Digito como um exercício de abstração. Nada além disso. Ver um texto tomando sua forma é o mesmo que ver cada gota que compõe um copo d’água, da mesma maneira que na junção de cada gota não vemos um copo feito, na sua separação nada vemos além de gotículas. Não há o que ser percebido e me vejo totalmente nauseado quando escrevo para escapar da realidade. Sim, escrever não é um prazer, é mais uma das tantas formas de criar outra realidade, de fugir. Sinto que às vezes eu apago, sumo de mim mesmo; por serem fugas de longa data, eu cansei. É como uma corrida sem rumo. Corro a muito sem direção. O tênis até que é confortável, a paisagem muito bonita, mas não vejo nada além disso: no movimento, um tênis; no horizonte, paisagens. Corro, na verdade, sem motivo, como quem senta no botequim e apenas bebe um copo de cachaça. Não existe um móvito, um movimento aparente. Um movimento involuntário sem nenhum nexo de consciência, sem lastro algum. É como se de repente o lápis adquirisse consciência de que é ostensivamente usado, de que é lápis, que milagrosamente descobrisse um segredo de si, é como se algo nunca antes revelado tomasse forma: “Meu deus, eu escrevo, é pra isso que sirvo, deus obrigado por esta alumiação!”. Um lápis com consciência de seu pensamento. Ah, seria o milagre da santa que chora sangue. Um objeto que tangencia o pensamento, depois a existência e por último o absurdo. Bom mesmo é quando este lápis adquire uma forma inconsciente de si e ele apenas escreve. Ele “apenas” escreve. Não tem consciência, não é consciente, ele apenas vai, segue o fluxo do papel, segue um rito que não possui cadência, mas segue. Eu travo, às vezes teimo em seguir e paro. O lápis, por natureza, não tem consciência da escrita, mas vejo beleza nesse apagar das luzes, ser usado como instrumento, de uma não divina invisível, que segue um elã de loucura. Por vezes, um escritor precisa estar entregue a sei lá o que para deixar ser levado por um fluxo que vem de sei lá onde e vai para um lugar sei lá desconhecido. Escrever é algo lindo, mas é problemático quando se torna objeto de uma consciência chata que o faz pensar ou até mesmo questionar sua existência prévia. Para escrever é preciso um deixar-se levar pelo precipício.




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