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Quando a Favela Dirige: O Rio de Janeiro Pela Lente de vitin

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • 5 de jul.
  • 5 min de leitura

Tem algo que a brisa do mar não conta nos cartões-postais: quem faz o Rio brilhar não é o sol do Arpoador, é o suor da Baixada. Quem molda o estilo que hoje estampa vitrines é o corpo que ontem foi barrado no shopping. Quem dita o presente é quem sempre foi empurrado para o rodapé da história.


E é nesse vaivém entre o ano 2000 e 2025 que vitin nos convida a caminhar. Da beira da praia ao beco, da lembrança ao clique, do asfalto à laje. O ensaio que ele dirigiu não é só sobre estética. É sobre o rastro. É sobre a ferida. É sobre desejo. É sobre sobrevivência.


“Nós, da favela, fazemos o Rio”, ele disse, de peito aberto e lente atenta. E faz mesmo. Faz na batida do bonde, na pose dos cria, na escolha do look, no enquadro da câmera, na dança com o tempo. Faz com o que tem, com o que sobra, com o que resiste. Porque criar do nada é coisa antiga pra quem sempre viveu com pouco. Só que agora a favela não quer só criar — quer assinar, decidir, dirigir, faturar.



O ensaio começa antes da lente. Começa no corre, no convite informal que vira projeto, no grupo que se junta no zap. Começa quando vitin — fotógrafo, historiador, artista e cria — pisa com os pés descalços no Arpoador, mas com o pensamento lá nos becos que atravessou pra chegar até aqui.


A pergunta era simples: “Qual o recorte desse ensaio?”

Mas a resposta veio como manifesto:


“Nós fazemos o Rio. Fazemos para além da subserviência, para além da coadjuvância. Esse projeto é sobre mostrar isso: que sem a favela, a Zona Sul não seria o que é.”


O nome do ensaio podia muito bem ser esse: Fazedores do Rio. Mas, na real, Da Favela ao Mainstream dá conta do movimento — da correria que é fazer arte vindo da favela. Cada clique já carrega a assinatura coletiva de quem atravessa o trem da SuperVia com uma ideia na mochila, o olhar atento e a disposição de transformar a ausência de recurso em potência criativa.


2000: entre o Arpoador e Belford Roxo, a estética do agora


O ano 2000 aparece ali como trilha sonora de infância: nos bonés Lacoste, nas camisas falsificadas da Uruguaiana e no rádio de pilha da tia. Já 2025 chega com urgência — com a certeza de que ainda estamos no meio da travessia.



“O sentimento que me move é esse: fazer do presente uma encruzilhada onde passado e futuro se cruzam, e onde a favela segue criando, resistindo e se impondo como centro.”

E nesse cruzamento de tempos e territórios, a fotografia vira portal. Um grito visual. Um respiro. vitin não fotografa só com técnica — ele fotografa com o corpo, com a escuta, com o compromisso de deslocar olhares.


“Na minha fotografia, busco visibilizar e potencializar vozes, pra que esses sujeitos se reconheçam como protagonistas importantes dentro da narrativa nacional. E que não fiquem presos a um olhar estigmatizado. A gente não é só margem. A gente é margem e centro.”

“A favela faz o Rio”: mas e quando o mercado olha pra isso tudo com sede? O que ele leva? O que ele deixa?



Para vitin, a estética da favela é vendida, mas a dor que a constrói não entra no pacote. O mercado higieniza, corta as bordas, bota glitter no sofrimento, transforma potência em pano de fundo para storytelling publicitário. Tudo muito bonitinho, desde que não confronte. Desde que siga cabendo. Desde que seja “cool” — mas não politicamente inconveniente. E é aí que o artista periférico vira só mais um nome com erro de digitação numa ficha técnica de grife.


De um lado, o mercado, com suas promessas de visibilidade e de “representatividade” em campanhas multicoloridas. Do outro, o dilema se impõe: entre ser visto e ser consumido, qual é o limite?


“É muito complexo. Mesmo com pouco tempo nesse meio, percebo uma constante apropriação do hype da periferia como escada. Depois que serve, você vira só um nome escrito errado numa ficha técnica da Rabanne.”


E o mercado, quando se interessa, higieniza. Despolitiza. Transforma vivência em estética, favela em figurino. A miséria ganha filtro. A dor vira storytelling vendável.


Ser visto é uma coisa. Ser consumido é outra. No corre de se afirmar enquanto artista e sobreviver enquanto sujeito, vitin enfrenta a balança entre a correria e a criação que alimenta o espírito. Ele é fotógrafo, mas também é pesquisador de História, pensador da sua própria quebrada, ponte entre tempos e territórios. E é nessa ponte que ele encontra os seus — a galera que fortalece, colabora, acredita e vive a arte como um gesto coletivo.


“O mercado acentua a beleza de tudo que possa ser comercializado — inclusive corpos, sobretudo os nossos. Empacotam a favela, desde que não confrontem. Mas o que incomoda mesmo são as celas simbólicas: a gente tá solto, mas segue preso.”


2025: um futuro onde artistas periféricos não precisem escolher entre sobrevivência e autenticidade


Quando perguntado se dá pra imaginar um futuro onde artistas periféricos não precisem escolher entre sobrevivência e autenticidade, vitin responde com a maturidade de quem já cansou de esperar por milagres de edital:


“Talvez a gente não esteja vivo pra ver esse dia. Mas estamos vivos pra construir o caminho até lá.”


vitin não aceita essas grades invisíveis. Quando pensa e constrói um projeto, é com os seus. Ele repete como quem faz oração:


“Minha arte é pra gente viva, não pra gente morta. Ser visto é ser vivido pelos seus. Por quem se reconhece, se espelha e acredita no seu trampo.”


Por isso, convocou amigos artistas da Baixada pra construir junto. Gente como Marlon Souza (@marlonfilmz), Nyx Domingues (@lanuitestbell), João Pedro Moraes (@joaopedromoraees), Anna Beatriz Maia (@annabmaia), Lylyan Marcella Cruz (lylyanmarcella), Kauan Folly (@thatsmekakau), Beatriz Tobias (@biaibiab) e Gabriele Costa (@dabomb_mesmo). Uma rede que segura, inspira e fortalece.


“Essa galera me lembra que a arte é viva. E que nossa autenticidade é o que há de mais valioso.”



E talvez seja isso. O futuro começa quando a gente se reconhece. Quando se junta. Quando recusa a lógica de que a favela é só cenário. Porque, se é pra falar de moda, de arte, de beleza, que seja com os nomes certos, com os créditos devidos, com a voz de quem sempre esteve criando — mesmo quando ninguém via.


Porque, no fim das contas, o Rio continua lindo. Mas só porque a favela nunca deixou de fazer ele ser.


Mas viver de arte ainda é luxo para poucos.


O corre é duplo: o criativo e o sobrevivente. 

vitin sente isso na pele:


“Sou pesquisador em História, e levo essa reflexão pra dentro da fotografia também. Viver da arte exige aprovação — é preciso ser consumido ou, no mínimo, conhecido. E isso machuca.”

Ainda assim, ele escolhe os projetos que o fazem respirar como criativo. Mesmo fora da carteira assinada, evita os bicos que sufocam. Quer trampo que permita criar, não que o transforma em peça de engrenagem. E confessa:


“É muito complexo manter a autenticidade numa sociedade que idolatra influenciadores fúteis, que endeusam bebês de famosas brancas enquanto tem uma galera preta e periférica querendo viver de arte e não consegue.”


A pergunta final é quase uma utopia: dá pra imaginar um futuro em que artistas periféricos não precisem escolher entre autenticidade e sobrevivência?


“A gente pode imaginar tudo, mas talvez não esteja vivo pra ver. O que podemos fazer é colaborar com artistas independentes, fortalecer uma rede. Porque quem depende da arte pra se ver como sujeito histórico não pode ser deixado pra trás.”

E assim, no vai e vem das ondas do Arpoador, entre uma pose e outra, entre um clique e um desabafo, o projeto vira algo maior: vira documento, vira resistência, vira espelho. Não um espelho distorcido pelo consumo, mas um espelho que devolve a imagem real da favela criadora, potente, coletiva.



vitin e seus crias seguem ali, entre os becos e as pedras, dizendo sem pedir licença:


Nós por nós. E o resto, que corra atrás.



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