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Meu caso com a Camgirl




Bom, francamente, tudo começou há uns dois ou três anos. Eu scrollava a página inicial do MFC e vi ela com a tag de NEW — pela mini janela de prévia, pude ver seu cabelo laranja escorrendo em mechas como lava sobre o espartilho de couro que ela usava na época. Ela fazia a linha dominatrix — foi antes de se encontrar no branding. Enfim, decidi pagar para ver — não literalmente, é claro. Antes, eu precisava saber do que aquilo se tratava. Dava pra ver que ela era nova, estava nervosa, desesperada para se encaixar em algum nicho, ter alguma identidade. Daí o espartilho de couro, que, francamente, parece mais coisa de filme. Esse desespero, esse nervosismo, esse sorriso tenso, a voz tímida. Bom, ela parecia alguém que podia contar com um empurrãozinho. Tinha o quê, uns 10–15 caras na sala, a maioria só olhando e o restante dizendo palavras até que encorajadoras — mas ninguém gastava um tostão.


Vi que a situação foi ficando mais desesperadora quando ela sacou, finalmente, os peitões do espartilho numa tentativa final de conseguir alguns tokens. Pele branca, pintinhas, mamilhinhos rosas. Não aguentei. Tive que pagar pela chamada privada.

— Escuta — eu disse —, escuta... eu sei que você é nova, percebi que você tá meio nervosa, mas você precisa definir exatamente qual é o seu modus operandi nas salas públicas. Se você vai tirar a roupa, tudo bem, eu acho ótimo, inclusive achei seus seios lindos. Mas não faça isso achando que vai convencer alguém a abrir a carteira, porque não vai. Se você dá o que eles querem de graça, então por que eles deveriam pagar? Você tem que provocar, tem que saber provocar esses caras. Não mostra tudo de uma vez. Agora, coloca o espartilho outra vez. Quero ver você abrindo o zíper devagar e brincando com os seus mamilos pra mim.



Bom, ela era perseverante, forte essa danada, porque continuou streamando dia após dia — fizesse chuva ou sol, ela tava lá. E, com o tempo, foi se encontrando. Eu, claro, sempre dava algumas dicas nas nossas sessões privadas. Fomos nos tornando amigos. E, bom, percebi que estava me apaixonando. Eu não sou burro, sei que essas mulheres, no fundo, são atrizes, e a gente não passa de carteiras ambulantes aos seus olhos. Mas o coração quer o que o coração quer.


Francamente, eu não sabia dizer se ela me via só como amigo ou se era recíproco, ou o quê. No começo, não importava — estava tão orgulhoso do progresso que ela vinha fazendo, das suas conquistas. Ela finalmente estava se encontrando. Tinha largado o espartilho de couro e percebeu que podia streamar usando simplesmente uma camiseta de banda velha, sem sutiã, as tatuagens nos braços e os seios balançando debaixo do algodão, com os mamilos saltando.


Bom, não pude deixar de reparar, certa vez, num detalhe no fundo do frame: pendurada na maçaneta da porta do quarto dela, vi uma camiseta vermelha. Não consegui identificar de cara do que se tratava, mas achei de bom grado printar pra analisar melhor depois. Dei um zoom na imagem e notei que era a camisa da atlética da faculdade — não vou dizer qual o curso, pra respeitar sua privacidade. Achei interessante, porque jamais imaginaria ela fazendo aquele curso. Mas, pensando bem, até que fazia sentido.


Minha mãe veio me encher o saco agora e eu esqueci do que tava falando. Ela fica me dizendo de fulano de tal que tem feito muito dinheiro postando vídeos e que eu também devia postar meus vídeos com as minhas percepções e observações sobre o mundo. E eu fico tipo: "não, mãe, eu não quero ser um escravo do meu celular, muito obrigado". Ela acha que é uma fórmula pra ficar rico fácil. Ela não vê que você tem que trabalhar todo dia com isso, tem que postar todo dia, se promover todo dia, produzir todo dia — e eu não quero isso. Ela nunca vai entender.



Enfim. Bom, ela encontrou seu nicho. Por exemplo, fazia essas lives em que encomendava comida e atendia a porta completamente pelada. Eu sempre achei isso meio desrespeitoso com os entregadores, mas enfim. Até falei pra ela uma vez. Acontece que reparei, certa vez, que a embalagem da pizza que ela pediu era bem específica — nada daquelas caixas de papelão genéricas. Entendo o porquê da minha mãe querer que eu compartilhe meus pensamentos, porque de fato sou muito observador. Mas enfim, são outros quinhentos.


Com um pouco de trabalho investigativo, descobri que aquela pizzaria era uma cadeia regional, então não foi difícil achar sua cidade. Mais especificamente, em que parte da cidade ela vivia. Para descobrir seu prédio, foi fácil — questão de mapear a paisagem da janela com a ajuda do Google Maps. Então pensei bem e achei que a única forma de saber se o que a gente tinha era real seria perguntando pessoalmente. Sei como essas coisas são pela internet. Ah, rapaz, já tive minha cota de decepções. Mulheres que dizem uma coisa por texto, mas, na verdade, estão fazendo outra. Não é nem culpa delas — não sou desses que ficam dizendo que "mulheres são isso ou aquilo" — a culpa é do funcionamento das coisas. A única forma de sobreviver na internet é não se comprometendo. Mas na realidade, não.


Na verdade, ela morava a umas quatro horas de viagem de mim, uns 350 km de distância. Eu precisava pegar um ônibus na rodoviária que me deixaria na sua cidade. Depois disso, mais dois ônibus municipais até chegar no prédio dela. Digamos que ela morava numa cidade grande. Morava.


Eu não sou de usar perfume, meu nariz é muito sensível, mas eu tinha uma colônia que minha mãe me deu de aniversário, frasco nunca aberto, e decidi: “bom, melhor garantir que vou estar cheiroso”. Então passei no pescoço e nos pulsos. Depois me senti idiota por estar tentando ser o que não sou e tomei banho de novo pra tirar o perfume de mim. Nisso, me atrasei umas duas horas e achei melhor cancelar a viagem.


Fiquei bem mal por uns dias, mas acabei pensando comigo mesmo: “rapaz, só se vive uma vez”, e francamente, a única forma de saber se ela sente o mesmo que você é perguntando. Como dizem por aí, o não você já tem! E, francamente, eu achava que tinha boas chances de conseguir um sim.



Ela moveu a cabeça levemente e, pelo canto do olho esquerdo, me encontrou no fundo da sala. Eu devia estar espumando pela boca, porque ela se virou inteira e me olhou como se eu fosse um doido. E talvez eu fosse mesmo. Ela ficou me encarando por uns bons segundos antes de puxar o celular do bolso e digitar qualquer coisa, imagino que tenha mandado uma mensagem para alguém. Fiquei tenso, achei que fosse chamar a segurança. Pensei até em sair dali antes que virasse escândalo, mas me recusei. Aquilo era a vida real. Eu tinha viajado, gasto dinheiro, preparado tudo — até o perfume eu tinha passado, mesmo que depois tenha lavado —, e ela ia me ignorar daquele jeito? Eu me recusei.


A aula começou. O professor falava alguma coisa sobre metodologia, eu acho, mas era tudo barulho branco. Eu olhava para a nuca dela. Para o jeito como mexia no cabelo. E lembrava da primeira vez que a vi — o cabelo laranja, o espartilho, o nervosismo, a voz tremendo. Ela não era uma atriz pra mim. Era uma pessoa. Uma pessoa real, que eu acompanhei crescer, mudar, encontrar o próprio estilo, descobrir a própria potência. Eu tava lá o tempo todo, enquanto todo mundo só olhava, eu investi nela. Em tempo, em atenção, em dinheiro. E ela tinha me deixado no meio da rua, com um buquê na mão, como um palhaço.


A aula terminou. Ela levantou rápido e saiu, e eu fui atrás. Segui ela pelo corredor, mantendo uma certa distância. Esperei ela sair do prédio e a alcancei do lado de fora. Chamei pelo nome de usuário dela, de novo: — Ei, SlutQueen17...

Ela parou. Virou. Me olhou. Dessa vez me reconheceu direito. E disse, baixo, mas firme: — Me deixa em paz.


Foi só isso. Me deixa em paz.


E virou as costas e foi embora.


Eu fiquei parado. As palavras ecoando na minha cabeça. Me deixa em paz. A voz dela não era como nas lives. Não era tímida. Era dura, como uma porta batendo na sua cara. Eu senti como se estivesse nu no meio do campus. As pessoas passavam por mim como se eu não existisse.

Me deixa em paz.


Aquele “me deixa em paz” se repetiu na minha cabeça por dias.



Não dava pra ser assim. Não depois de tudo. Ela devia, no mínimo, uma conversa. Uma explicação. Foi o que fiquei matutando no hotel. O hotel era vagabundo. Não quero entrar em detalhes, mas foi isso o que pensei: ela me devia uma explicação. Porque aquilo já não era mais a internet. Aquilo era a vida real, e na vida real a gente precisa se comprometer. E se ela não estava pronta para se comprometer, então ao menos me dissesse isso olhando nos meus olhos. Naquela noite, ela não streamou.



Na manhã seguinte, eu estava decidido. Tracei uma rota até o campus da sua universidade, felizmente só precisei pegar um único ônibus. Eu sabia que aos sábados ela tinha aula de manhã. Sim, era um desses cursos puxados, mas aqui estava o problema: eu não sabia qual sala ela estava. O site da faculdade era impreciso quanto a esses detalhes. Mas o campus, eu sabia qual era. Na verdade, torcia para que fosse o campus certo, porque só quando entrei no ônibus percebi que havia mais de um campus pela cidade. Mas àquela altura, eu já estava nas mãos de Deus.


Cheguei no campus e comecei a perguntar a esmo para alunos, seguranças, faxineiros, qualquer um que passasse na minha frente: "Você sabe onde é a aula tal?" Foram uns 30 minutos nisso até que, de todos os especialistas no lugar, a única pessoa que realmente me deu a informação correta foi uma tia da limpeza. E a aula ainda nem tinha começado. Peguei um lugar no final da sala e esperei. O pessoal começou a entrar aos poucos. A turma foi se enchendo. Uma gorda me olhou de cara feia quando me viu sentado. Acho que tinha pegado o lugar dela. Mas aí eu pensei: "Problema? Isso é uma universidade, não o jardim de infância. Cada um senta onde quiser." Enfim, isso não importava.


Duas ou três pessoas me notaram, mas ninguém pareceu realmente se importar. Dez minutos depois, o professor entrou, e cinco minutos depois dele, ela passou pela porta, meio esbaforida, e se sentou umas três fileiras na minha frente. Congelei. Meu sangue parou de circular na hora. Era engraçado porque eu tinha passado a noite anterior ensaiando um discurso inteiro na minha cabeça, mas na hora H, nada. Francamente, me parecia um pouco dramático demais causar uma cena no meio da sala de aula, então achei melhor apenas esperar. E esperei. Não podia acreditar que era ela. Como alguém pode ser tão caloroso com você num dia e, no outro, fingir que não te conhece? Nunca entendi isso. Diria que beira a sociopatia.


O sangue foi lentamente descongelando nas minhas veias, e minhas têmporas começaram a ficar cada vez mais quentes. Eu estava com raiva. Percebi que meus olhos se encheram de água. O sangue correndo dentro de mim queimava como cachaça descendo pro estômago. Senti meus lábios tremendo. Era como se eu estivesse preso no fundo do mar, vendo as pessoas nadando na superfície, e a pressão da água me esmagasse os pulmões.


Então ela moveu a cabeça levemente e, pelo canto do olho esquerdo, me encontrou no fundo da sala. Eu devia estar espumando pela boca, porque mal terminou de virar a cabeça e ela disparou pela sala afora. Devo ter desmaiado, porque quando acordei, estava sendo carregado por dois seguranças para fora do campus.

Dois dias depois, uma mulher passou pelo seu apartamento, abarrotada de caixas. Ela nunca mais streamou.



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