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Pegador de I.A.

Por Marcelo Sophos


Para aqueles que duvidam da criatividade e burrices humanas, lhes revelarei uma história real, muito à frente de seu tempo, no caso, final dos anos 90 e início dos anos dois mil, nos primórdios das tecnologias de comunicações virtuais, onde as pessoas “surfavam” nas redes discadas. Programas antigos como mIRC, ICQ e MSN Messenger eram pontos de encontro, a galera chegava da escola e muitos já estavam por lá se viciando, paquerando e marcando encontros nas matines de sexta.


Tudo muito normal e natural para um bando de jovens que estavam descobrindo a internet do seu tempo. Se quisessem conhecer outras pessoas, ainda mais desconhecidas, nas salas virtuais de pegação, havia um site muito famoso, que até a pouco tempo, antes de surgirem os apps de encontros nos smartphones, era muito usado, claro que surgiram concorrências, mas esse foi o pioneiro no estilo. Nesse contexto que vamos começar a jornada do nosso anti-herói, um amigo chamado Lucas.



Lucas tinha seus 25 anos e já era independente desde os 17, morava sozinho num apartamento no Rio de Janeiro, namorava e trabalhava na área da saúde. Para nós jovens idiotas de 16 anos, ele era um exemplo. Pegava várias minas na toca, como ele chamava, não que ele fosse um cara bonito, na real era até feio para os padrões da época, mas o safado não tinha critérios e passava o rodo em tudo que via: magra, gorda, baixa, alta, vesga, branca, negra, careca, simplesmente tudo! Bastava sorrir para o malandro, se havia uma porta de entrada, rapidamente cairia na lábia do lobo... Isso porque ele namorava uma linda mulher chamada Marina. “Sou doente!”, ele vivia me dizendo, e sinceramente até acredito, porque essa ninfomania já causou muitos problemas na sua vida. Pelo menos ele seguia seu próprio e tortuoso código de ética, sendo um de seus mandamentos, não pegar mulher casada, deve ser por isso que está vivo até hoje. Para ele, as mulheres eram apenas objetos de seus desejos.


Nós riamos de coisa séria. Nessa época ele ainda não conhecia esses sites de encontros e pelo título desse conto, já dá para imaginar os rumos desse tarado e excluído digital, chegaremos lá em breve...


Nos finais de semana ele estava, na maioria das vezes, com sua namorada, e era na quarta ou quinta que o lobo mau me chamava para acompanhá-lo na Vila Mimosa. Para quem não conhece é uma rua de prostituição aqui no Rio de Janeiro, muito famosa. Não ficávamos muito tempo... Ele me pagava uma cerveja e eu ficava lá sentado no bar, bebendo devagarinho e vendo todos os tipos de mulheres, das lindas como ninfas do Olimpo, à Cérberos infernais, ou possuídas como o diabo por álcool e drogas.


A grande maioria desfilava seminuas ou como vieram ao mundo. Eu ficava na minha, sem grana e dependente, pois não trabalhava e era menor de idade, o que não importava pra ninguém que estava por ali e principalmente porque na época eu estava apaixonado e não estava interessado em outras mulheres, estava bem comigo mesmo. Eu me divertia e muito, nunca vou esquecer quando uma bela mulher negra, enorme, linda com seus seios de fora, chegou na minha mesa e pediu um copo de cerveja, claro eu dei, e ela ofereceu o programa, expliquei a situação que não tinha dinheiro, que estava ali esperando um amigo. Ela até tentou abaixar o preço ao máximo, cerca de 10 reais meia hora, em vão. Só por esses valores já se tem noção de como o dinheiro na época era valorizado, uma garrafa de cerveja custava em torno de 2 reais. Então, levou apenas minha cerveja, ela ia e vinha várias vezes na minha mesa, sentava-se e conversava. Virei quase um terapeuta, ela sumia quando fazia um programa e logo depois retornava, nossas energias se simpatizaram.



Depois de 1h Lucas retornou, pediu uma cerveja pra mim e um refrigerante para ele. Pode parecer estranho, mas ele não bebia ou fumava, seria careta para os padrões do mundo. Fomos embora, queria ter dado um tchau para a mulher que não lembro o nome, mas ela estava no corre dela e no futuro a encontrei de novo quando voltei nesse inferninho na Praça da Bandeira. Pegamos o ônibus sentido Aterro do Flamengo, meio chapado e com sono, vinha pensando na linda mulher e os possíveis porquês, motivações e necessidades que a levaram estar ali. Hoje penso ser uma questão complexa e delicada, independente, elas merecem respeito e dignidade, o sistema deveria legalizar a profissão, dar seus direitos como cidadãs e oportunidades para as que não querem mais viver exposta nos perigos das ruas do Rio e seus cafetões. Apesar de as novas mídias e a internet terem de alguma forma, dado a elas um pouco mais de segurança e autonomia.


Não demorou muito e a namorada de Lucas o largou, já não era sem tempo, coitada. Não que Lucas fosse um namorado ruim, ele sempre foi gentil, prestativo e amoroso, mas sua ninfomania o impedia de ser fiel no sentido da palavra, porque na cabeça dele, ele sempre foi fiel. Foi melhor assim, eles brigavam constantemente por conta dos ciúmes dela que obviamente eram justificados.


E como Lucas foi comemorar sua solteirice? Chamando os amigos para ir a Vila Mimosa. Lá foi nosso bonde: eu, Lucas, Biofá, Gesus e seu irmão, e outro amigo de Lucas do trabalho. A noite foi agitada, nesse dia em especial, todas as putas que conhecíamos estavam por lá. Eu e Lucas íamos quase toda semana, naquele mesmo ritmo que contei. Elas nos paravam, cumprimentavam, trocávamos umas ideias, perguntavam “se ia rolar um programa hoje”, “quem eram nossos amigos”, essas coisas. Lucas chegou a “namorar” com uma delas, levava no cinema e restaurantes chiques da zona sul do rio.


Eram mulheres muito maneiras, gente fina e zoeira, educadas e sempre nos recebiam bem, estavam acostumadas a lidar com homens toscos, ignorantes e sujos, que as tratavam como objetos sexuais e nós as tratávamos como iguais, gente como a gente, nos divertíamos juntos com elas. As vezes andávamos de braços dados, outras gastavam onda, diziam “tá namorando o cliente Renata?” Riamos indo para o bar tomar umas cervejas. Aquela noite prometia... Os amigos que não tinham o hábito de frequentar o lugar ficaram de cara com nossa capacidade de desenrolar e nossa naturalidade em andar pela área como se fossemos locais.

Jogamos sinuca e rodamos a Vila toda, num dos diversos corredores, uma mina muito louca dançava nas grades expondo a sua vulva completamente nua, dava seu show. Os homens hipnotizados cercaram a grade pelo lado de fora, um deles, corajoso e atrevido, quando conseguia lambidas nela e recebia uns tapas da mulher. A regra na Vila é clara: não pode tocar sem autorização. Elas quem definem com quem e quanto vai ser o programa, tem que ter contexto, que se ganha pelo respeito.


Seguimos até o final do corredor, numa das “casas”, e fechamos o lugar com uma de nossas “amigas”, que chamou outras duas. Bebemos várias brejas, dançamos e curtíamos, enquanto Lucas transava com uma delas num dos quartos no andar de cima. O amigo coroa do trabalho, sacana e com grana, pagava pras elas dançarem com os peitos de fora, enquanto ele avaliava se iria com uma delas para o quarto. Nós íamos na onda e tamanho era o abafo e calor daquela noite que num momento de loucura generalizada ao som do funk, até banho de cerveja demos numa mina. Ela dançava no ritmo do batidão enquanto despejávamos o líquido por seus seios e ao som de nossas algazarras. Foi épico, digno de Bukowski. Foi uma das noites mais divertidas da minha vida, com direito a passar pela rua do underground que ficava em paralelo e curtir um rock antes de meter o pé daquele pedaço do inferno.


Logo o fim do mês chegou, Lucas já estava desesperado pra uma foda, sem dinheiro e sem contatinhos na velha agenda. Então, ele me interfonou, éramos vizinhos de prédio e morávamos no mesmo bloco. Peguei meu baseado e fui lá na casa dele ver o que ele queria, afinal. Enquanto apertava meu cigarro, ele explicou que “precisava transar” e se por acaso eu não conheceria uma amiga para apresentar. Na época tínhamos muita dificuldade para poder fumar nossa erva, muita censura e falta de segurança. Volta e meia eu, gesus e sua namorada usávamos a casa do Lucas pra fumar, também dávamos pequenas sociais, hoje chamada de resenhas, no apê dele.

Certa ocasião, uma colega do nosso querido Tim Maia (segundo ele o primeiro e o único), foi conosco entre outros amigos para uma festinha na toca. Uma mina loira e fogosa, dançava e bebia como louca depois de cheirar um pouquinho da cocaína do Tim. Falava gesticulando e queria ser o centro das atenções dos homens, e não demorou para que Lucas e ela se chegassem. Num piscar de olhos, sumiram... Quando as baladas da viola do irmão de Gesus cessavam, ouvíamos os sons da meteção e gemidos que aconteciam no quarto ao lado da sala. Lucas e a loira haviam sumido por um tempo e agora sabíamos o motivo. Caímos na gargalhada e seguimos bebendo, fumando e cantando, até que o casal suado saiu do quarto. Tim Maia simulava ataques de overdose na poltrona depois de dar outros tecos no pó do Santo Amaro.

Lucas então veio com uma proposta indecente, que poderíamos dar mais festinhas na casa dele quando quiséssemos, mas haveria uma pequena taxa para seu vício carnal: “Vocês podem vir de novo, fazer umas festinhas e tal, mas traz uma mina pra mim”. Eram palavras de um viciado e doente. Expliquei que nas festas iriam amigos e amigas, se ele ia pegar ou não dependeria dele e da vontade das minas.


As festas aconteceram, as vezes ele conseguia, na maioria das vezes não. Certa vez quando ele conseguiu, no entanto, a Vanessa deu tanto vinho para ele – que queria tirar uma onda de que bebia –, que terminou passando muito mal, acabou não transando e parando no hospital. Outra vez ele se “apaixonou” por Fernanda. Ela tinha muitas crises existências sobre sua sexualidade e deu muito trabalho para nosso anti-herói, que gastou mais tempo e dinheiro. Até hoje não sei se eles transaram ou não, mas na época ele já estava até de olho na irmã dela, que tinha seus 18 anos.


Finalmente Lucas comprou um computador e o mundo digital se abriu para ele... Adquiriu o aparelho não porque queria trabalhar, estudar ou jogar, mas porque descobriu os Bate Papos online. A internet agora já tinha 1 megabyte e novas possibilidades se abriram para sua mente doentia. Em suas horas vagas ficava horas conversando com mulheres de todos os cantos do Brasil, entrava principalmente nas salas do RJ, usando seu pseudônimo de guerra, Pedrão.

Soube disso quando certa vez ele me pediu para criar um e-mail pra ele com esse nome, não sei ao certo se rendeu alguma transa esses contatos, só sei que o karma estava próximo e não veio do mundo virtual. Ele conheceu uma mulher no trabalho, rapidamente estavam namorando e criando expectativas, escondia obviamente sua vida paralela. Lucas se encantou com a possibilidade de morar na Itália, pois ela iria embora para lá em alguns meses, tinha cidadania. Eu a encontrei umas duas vezes e na mesma hora não fui com a cara dela, olhar de cobra, de encosto vivo, não sei dizer, não bateu nossas energias, achava ela pesada. Seria através dela que Lucas talvez aprenderia alguma lição.



Depois de algum tempo ela foi para Itália sob juras de amor. Ele juntaria uma grana para ir depois, encontrá-la lá e tentar uma nova vida. Arrisco dizer que Lucas inaugurou o nudes, pois através de um celular precário da época mandava vídeos do seu pau. Na cabeça dele, “era pra ela não sentir saudades”. Transavam por mensagens e vídeos, por essas SMS primitivas, lembrando que não eram mensagens instantâneas como hoje em dia. Era um processo todo lento, fora as imagens super pixeladas, quase artesanal e rústico.


Ele segurou as finanças, trabalhou o triplo, não ia mais na Vila Mimosa, tentava apenas uns esquemas avulsos. Tinha um contatinho de um quebra galho que morava na zona norte, segundo ele, “minha versão mulher”. Assim foi levando por uns quatro meses, até que chegou o dia de sua viagem. Voou para Itália e encontrou a mina, que já agia de forma diferente.

Levou Lucas para casa que dividia com seu primo. Distante e indiferente, não parecia estar mais interessada nele. Ela nada falou, deram um beijo frio e disse que iria ao mercado com o primo. Ele estava cansado e deveria descansar. Depois de horas ela e o primo voltaram, ele estranhou a demora. Lucas era um predador, traidor e manipulador, logo sentiu um cheiro de treta no ar e a pressionou. Num surto histérico, ela gritou que o cara não era seu primo e sim seu amante. Lucas revoltou-se, ela poderia ter falado isso por telefone, poupado seu dinheiro. Depois das discussões, ele catou suas coisas e voltou para o aeroporto, comprou sua passagem e voltou para o Brasil, não ficando nem 24h em solo italiano.


Ele me contou toda a história, que ficou como aprendizado para não cometer esse tipo de erro novamente e complementou: “Pedrão voltou com tudo!”


Agora ele passava horas conectado nas salas de Bate Papo, trocando ideia com uma mulher que estava mandando fotos no privado da conversa. Esperava super animado a resposta dela. Queria minha ajuda, pois ela não estava respondendo e vinha as mesmas respostas a uma hora. Me mostrou as fotos da gata e logo estranhei, subindo pelas conversas, um monte de repetição de mensagens, as dele pediam telefone, marcar um encontro, tomar um chopinho etc. Foi então que dei a notícia para ele: “amigo, você está a horas conversando com um robô digital, uma I.A.”. Ele falava que não, que ela tinha respondido e tal, e fui reparando que eram apenas links de sites pornográficos e outros de cadastros (não esqueçam que ele era um excluído digital, não tinha intimidade com computadores e internet). Ele ficou chateado em “perder a gata” que não existia... Eu apenas não parava de rir dizendo: “Pedrão, o pegador de I.A.”. Lucas estava muito à frente de seu tempo, extemporâneo.


Ainda existem muitas histórias malucas do meu amigo Lucas. Pouco depois ele namorou, casou-se, mantinha uma vida paralela, ela descobriu e se separaram. Ela perdoou e se casaram novamente. Ele continuava a trair. Tiveram um filho e então se separaram definitivo. Ele foi morar na zona norte de vez, no quarto de uma casa de um rapaz afeminado, que tenho certeza de que ele comia. Com o tempo fomos perdendo o contato. Eu havia me mudado para Região dos Lagos (RJ) e ainda mantínhamos contato num grupo da galera no WhatsApp. Ele sempre quis ter uma arma e quando veio a onda bolsonarista o cara pirou no movimento. Provavelmente virou um bozolóide e nossa tropa é URSAL, comuna. Como todo grupo de amigos, um sacaneava o outro, até que ele saiu e sumiu até hoje.




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