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Matheus Santana: quando a arte corre mais rápido que o apagamento

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • há 22 horas
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 11 minutos

Por Pivete 

Para Revista Menó 


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Matheus é cria do Vale Encantado, mas hoje mora no Rio Marinho, em Cariacica.

Mais que isso, ele é cria do mato, do bolinho de chuva da mãe, das garrafas guardadas com afeto e dos silêncios que viram tinta.


Com 25 anos nas costas e um mundo dentro do peito, ele transforma sentimento em imagem - e imagem em memória viva. Sua arte não mora em museu ainda, mas já fez morada em parede de casa, em ateliê improvisado e em quem para e olha.



Seus quadros não são só quadros. São corpo, são grito, são espelho. “Antissocial”, “Ser metafísico”, “Sala vazia”, “Família simples” - os nomes já dizem tudo, mas ainda não dizem tudo. Porque, segundo Matheus, o que move o pincel é neurose, fé, saudade, raiva e respiro. 


“Tem que ter um pedaço da gente na criação”, ele diz.

E cada obra dele tem isso - um pedaço de infância, de irmão, de desabafo espiritual, de revolta com a vida corrida e do orgulho de ser cria.


Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira

Autodidata, independente e cheio de referências que vão de Basquiat ao que pulsa na favela, passando pela cultura rastafari e pela Bíblia da mãe, Matheus cria com o que tem e com o que sente.


Começou no papel, foi pro acrílico, hoje se encontra entre espátulas e dedos, numa busca por técnica que nunca deixa de ser também busca por si.

Sua arte é atravessada por tudo que atravessa ele. A casa que treme com a obra da rua. O bairro que virou ateliê. A memória da garrafinha velha. A irmã que foi pra Portugal. O matagal que virou poeira. A solidão da sala com quatro cadeiras mas só um corpo.



Tudo isso aparece - às vezes direto, às vezes em camadas - nas cores vibrantes, nos rostos tensos, nas máscaras e nos olhares que olham de volta.


Matheus não pinta só pra vender, embora precise, como todos nós. Ele pinta pra existir, pra não se perder. Pra não deixar que a falta de oportunidade apague quem ele é. Para fazer a  sua comunidade se ver e se reconhecer. 


Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira

“Quero alcançar mais pessoas com meu trabalho”, diz. 

E alcança. 

Já tá alcançando.


A artista visual e educadora capixaba Yasmin Cerqueira, sua mentora, entrou na sua caminhada e virou ponto de apoio, somando na estrada que o artista já vinha trilhando, com fé, suor e espátula. Em um país que pouco acolhe seus artistas periféricos, Matheus Santana é a arte que brota apesar da falta.



O artista que desce com o sol


O ateliê de Matheus é improvisado, não tem luz elétrica. É uma espécie de garagem adaptada, onde ele entra quando o sol nasce e sai quando ele se vai. 


“Eu desço como se fosse trampo mesmo”, ele diz, enquanto mostra suas telas. 

Ali, entre os sons pesados das máquinas da obra na rua e os barulhos do bairro, ele pinta. Treme tudo, a parede vibra, mas ele segue. Resistindo com suas criações, disputando o espaço com o caos, com um mundo que quer devorá-lo, mas nosso cria não pede licença. 


Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira

A memória do mato onde cresceu ainda lateja nas ideias.


“Tá tudo acabando, só sobrou um restinho”, conta, sobre aquele canto onde ficava com os irmãos e os cachorros, cercado de verde.


A natureza atravessa seu imaginário, e ele sabe que ainda vai colocar mais disso na tela. Mas agora, diz ele, está num momento de vencer o que tá por dentro primeiro - esse "sentimento interior" que ele ainda está digerindo, pintando.



O retrato de Jesus negro com dread e pele escura é uma das obras que mais carregam essa mistura de fé e afirmação.


“Pintei como eu acredito que era, do meu jeito mesmo”, diz. Mistura religião com rastafari, igreja, símbolo com história.

É Anticolonial.

A mesma energia que leva pra arte, ele leva pra vida.

É batizado no catolicismo e no evangélico, andar com fé e pesquisa. Lê, estuda, observa. É cria que pensa.



“Eu gosto de falar de comunidade, de pesquisar também. Já fui até pra São Mateus ver de perto umas parada de quilombo”.

O corre, ele não romantiza. Ser artista independente é trampar com um pé na inspiração e outro no aperto. 


“Afeta demais, tá ligado? Até pra criar a gente tem que calcular, pensar no dinheiro, se vai conseguir vender”, solta.
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira

E logo completa: “Mas eu também me apego muito, às vezes não quero soltar, não quero que vá pra qualquer canto. Quero que minha arte alcance mais pessoas, que não vire só decoração na casa de alguém.”

E ele segue.

Segue pintando porque é isso ou o silêncio.

Porque é isso ou deixar eles vencer.


E como ele mesmo diz: “É difícil, mas tá maneiro. Porque agora tem gente no caminho, fortalecendo, somando. E isso dá mais ânimo pra continuar.”


Entre o agora e o que ainda vai ser



Enquanto mostra uma de suas obras mais recentes, diz que ela ainda não tem título. Tá pensando em chamar de “Afetado com a fome”. A tela tem duas versões dele mesmo - um lado mais sombrio, o outro tentando ser luz.


“É tipo como se fosse um eu ruim e um eu bom, tá ligado?”, explica. 

Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira

Ele ainda não se sente pronto pra dizer qual é a identidade da sua arte. Não por insegurança, mas por saber que tá em construção. Começou a pintar tela em 2020 ou 2021, ele não se lembra bem. 


“Antes era só no papel, com lápis de cor”, diz.

Mas quando pegou na tinta e sentiu o impacto da espátula na tela, não largou mais. Hoje, usa mais espátula que pincel - diz que a mão é pesada, que com a espátula se sente mais em casa.



Matheus ainda não tem ensino superior, ainda não foi contemplado por nenhum edital, e muito menos passou por alguma residência artística. Mas o que poderia parecer ausência é, na verdade, presença.


Ele tem o que muita gente com diploma ainda busca: vivência, fé, pesquisa.

Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira

E não uma pesquisa fria, de gabinete -  mas aquela que nasce do olhar atento, da escuta ativa, do pé de cariaciquense, da mão suja de tinta e da vida.


Na suposta falta, Matheus revela sua abundância.

Sua arte não precisa da chancela acadêmica pra dizer o que veio dizer. 



Porque ela já diz - com força, com memória, com identidade.


Cada tela é uma extensão do que ele carrega no peito e nos olhos: o mato que virou poeira, a irmã que partiu, o silêncio que virou cor, o Jesus de dread que desafia ícones coloniais.


O que poderia ser encarado como lacuna, vira afirmação.



Não falta nada. 

Porque o que Matheus tem não se ensina: é raiz, é fé que persiste mesmo quando a luz acaba, que se constrói no corpo, na escuta e na rua. Ele não só pinta - ele reivindica a própria existência, ressignifica a ausência de diploma como presença de mundo.


Sua arte é testemunho de quem sabe que criar é resistir - mesmo sem título, mas com pertencimento. 


Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira

Mesmo sem espaço, mas com chão. 

Mesmo sem currículo, mas com verdade.

E mesmo cansado, ele não para.

Porque, pra gente, parar não é opção.


 “Às vezes eu crio esperando mudar alguma coisa... mas termina e eu vejo que nada mudou.” Será que nada mudou?

Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira
Fotos: Pivete e Yasmin Cerqueira


Matheus Santana constrói com o que tem, pinta com o que sente, aprende com o que vive. E o mais importante: não pinta só por ele. Pinta por quem vem depois. 


Por quem ainda vai olhar para uma de suas obras e pensar: “é isso. sou eu ali também.”


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