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Sant e LP Beatzz, e o rap dos novos bandidos

Atualizado: 5 de abr. de 2023


Resenha do Pivete

por Iago Menezes de Souza

Sant e LP Beatzz soltaram o EP “Ainda é o rap dos novos bandidos” (2022) , uma extensão do já clássico “Rap dos Novos Bandidos” (2021), álbum de estreia do dupla que revela o talento de LP Beatzz e reafirma o de Sant, que em suas letras decifra o contexto periférico como ninguém, adentrando profundamente nas angústias, violências e desejos da juventude negra periférica brasileira. LP Beatzz e Sant são como Bebeto e Romário, um organiza o jogo e dá o passe, o outro bagunça a defesa e faz o gol.




Não sei quantas vezes eu já ouvi esse álbum, quantas vezes eu me peguei descobrindo alguma nuance que me abria os olhos para diversas outras que compõem essa miscelânea de referências que Sant coloca em cada linha das suas músicas. Rap dos novos bandidos soa como uma ressignificação do banditismo, assim como Nação Zumbi, “um banditismo por questão de classe, por pura maldade ou por necessidade”. A questão aqui é assumir o personagem que insiste em nos escalar, já que somos e sempre seremos bandidos para vocês, então esse é o “Rap dos Novos Bandidos”.


Como assim, você não concorda que a sociedade nos coloca como os eternos vilões? Você acompanha o Rap Nacional ? Desde Racionais, Sabotage, 509-E, SNJ, Facção Central, RZO, desde que o rap é cantado majoritariamente por negros periféricos, portanto é sim criminalizo. Não precisamos ir tão longe, o Brasil é um berço cultural da diáspora negra e todas as nossas expressões são apropriadas ou criminalizadas. Só é vendável se for embranquecida, forçamos um pouco a barra, alargamos um pouco mais as margens, porém a perseguição continua.




Ouso dizer que o Sant, tem uma habilidade indescritível de entender o contexto complexo que nós negros periféricos vivemos, além disso, tem o incrível dom de transmitir sua sabedoria em suas músicas. Desde de seu EP de estreia “ O Que Separa os Homens dos Meninos, Vol. 1” de 2015, produzido pelo lendário Mc Marechal, ele fala sobre os suas próprias angústias, desejos e tristezas. Como uma sessão de terapia ele se descobre e através das suas descobertas, ajuda nós nos encontramos também.

“Rap dos novos bandidos” é um álbum que adentra na subjetividade do negro periférico brasileiro, mais especificamente das favelas, comunidades e subúrbios do Estado do Rio de Janeiro. Porém os contextos se confundem, dialogam e se atravessam. O Brasil segue o mesmo contexto de genocídio da população negra, onde a carne do jovem negro é a mais barata e o Estado faz questão de está em liquidação.


  • Vou alertar vocês para que não fique confuso: quando eu falo de “Rap dos novos bandidos” é o montante do álbum e do ep lançado esse ano, que se completam e portanto considero mais conveniente falar de ambos na sua totalidade.


“...NINGUÉM SENTE SER SUFICIENTE
NADANDO SÓ NUM MAR DE GENTE
O MUNDO NA MENTE DO ADOLESCENTE
QUE A PERSPECTIVA DEIXOU CARENTE
PAI AUSENTE, MÃE DOENTE
MAIS UM IRMÃO MORTO
TROCA O PENTE”

Sant é cru e direto, porém é tão hábil que consegue ser denso e complexo na mesma proporção. Eu, um cientista social negro, me formando antropológo, adorador de problematizações, me pego vidrado na facilidade que Sant tem de explicitar questões sociais numa leveza que nenhum intelectual conseguiria. Sant é um intelectual orgânico, um porta voz de sua área, um verdadeiro líder. LP Beatzz cria o meio de campo - sim, eu continuo em referência a faixa “Bebeto e Romário” do EP “Ainda É o Rap dos Novos Bandidos” (2022) - e cria um instrumental de trap que da a vibe perfeita para que o Sant dê uma aula que a escola NÃO dá. Eu pensei em falar das faixas separadamente, mas acho que esse álbum e esse EP são tão fod@s, que seria meio pretensão minha tentar dizer além do que eu possa sentir. Eu sinto isso por completo, cada faixa se completa e como as páginas de um livro apresentam uma teoria criada por Sant para conseguir da conta de falar de nós, para nós. Eu acho que isso é a maior graça do rap, somos nós, falando de nós, para nós. E para quem tem pouca representatividade no contexto geral, isso é um avanço do c@ralh0.




Parece que eu estou puxando saco ou exaltando demasiadamente à nossa dupla, porém não estou. Acho que talentos devem ser exaltados, nossos negros devem ser elogiados, talvez, até bajulados. Sant em seu álbum de estréia faz referências a nada menos que Chico Buarque, Belchior, Racionais, O Rappa, Mv Bill entre outros, porém, poderia não fazer. Se utiliza das referências para reforçar sua narrativa, em “Do Falcão” faz tal como MV Bill, ao falar do tráfico e dos seus personagens, ou em “Desconstrução” onde faz uma releitura de “Construção”, uns dos clássicos da música brasileira, de Chico Buarque.

A “desconstrução” de Sant, assim como na “construção” de Chico, fala do homem, capital e suas relações. Porém, aqui não se constrói, se destrói, Sant apresenta de diversos ângulos a faceta do mesmo personagem, você sabe qual. Trabalhadores, pais, explorados, revoltados, amargurados, triturados pelo capital.


“...CONDICIONOU SEU TEMPO
TEORIZOU PRÁTICA
ESCULACHOU FAMÍLIA
IGNOROU SEU NÁUFRAGO
EMBRIAGOU-SE A NOITE
ENCAROU DIAS LÚCIDO
E PROMETEU AOS CÉUS
QUE AINDA SERIA PRÓSPERO”




Eu falei que não iria falar das faixas separadamente, mas falhei, eu tenho que falar de “Gestão” com mais densidade. Em tantas disputas desnecessárias que fomentaram o rap nacionalmente e internacionalmente, através de mortes e brigas, que só alimentam o estereótipo do negro como um ser violento, que já matou muitos talentos e ainda matam,vide Takeoff. Aqui, Sant fala de gestão, administra sua vida, de forma que não caia nos desvios da vida. Gerir a ambição para que não se confunda as coisas, o ato de Sant afirmar que MD Chefe, Thai flow, Tiago Mac entre outros são da favela é dizer que estamos no mesmo barco, em “banzo” - palavra que os negros escravizados brasileiros usavam para expressar saudades da sua terra - buscando um lugarzinho no mato só seu.

E a minha preferida “Pertencente ao crime” que é o retrato dialético entre o amor e o crime que as mulheres de bandido passam. Sant é uns dos maiores rappers do Brasil, talvez, se falasse em inglês não estaria longe em nível de comparação com Kendrick Lamar, quando o assunto é criar uma atmosfera de imersão nos seus sons. Essa música é isso, você está lá, e Lp Beatzz é um dos responsáveis por esse clima, essa atmosfera, Sant então narra um relacionamento que já está em nosso imaginário. Está lá, como em uma cena de filme, um traficante e sua mulher, o crime, desilusões, amantes, poder, fidelidade. E a Sant por buscar a perspectiva feminina para contar essa história, no qual mostra as desilusões de uma mulher que tem um relacionamento com um traficante.


“O QUE EU TE PEÇO NÃO TEM PREÇO
OLHO NO OLHO/ NÃO É PRA SER PESO
É SÓ O MÍNIMO QUE EU MEREÇO
POIS AGORA VAI OUVIR O QUE PENSO
O QUE PERTENCE AO CRIME
MORRE PELO CRIME
E EU NÃO POSSO VIVER POR VOCÊ SÓ…”

. A forma que o Sant rima e constrói esse enredo, onde o personagem explicita seu cansaço, e aceita a escolha do outro, que pertence ao crime, não a ela, afirmando que precisa viver também, . Uma visão não romantizada e empoderada de uma mulher favela.


Santificado seja o Sant, Lp Beatzz e o Rap dos Novos Bandidos !


Ouça aqui:















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