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O meu castelo de um quarto só

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • 25 de jan.
  • 6 min de leitura


Fiquei pensando, qual é meu castelo de um quarto só. O teto de amianto que me protege do tempo ruim, do sol, das balas…


Quando eu estava sentado no banheiro de casa, apavorado, com medo das balas que cortavam o ar, você sente, tá ali, o barulho, e logo após o silêncio, do nada, outro estrondo.


Aqueles azulejos foram meus anjos da guarda, me protegiam, enquanto eu pensava sobre uma realidade alternativa, onde o estalo do tiro não me encontrasse.



Quando fui morar em Belford Roxo, lembro muito bem, meus pais foram primeiro, eu ainda fiquei alguns dias na casa de um familiar.


Eu realmente não sabia nada daquela cidade, era uma espécie de não lugar, longe dos meus poucos amigos, da rua onde cresci, da escola onde estudava, da lan house onde passava horas só assistindo outros crias jogar.


Chorei quando desci do ônibus, ao me perder naquele morro ainda sem asfalto, aquelas casinhas, aquela realidade, não tão mais distante, mas não menos chocante para um jovem medroso e ansioso como eu.


Foi difícil se adaptar, demorou para nossa casa ter muros, por muito tempo meu computador ficava ao léu, sem um teto de amianto para proteger nem meu PC, nem minha cabeça.



Meu Castelo de um Quarto Só


Aquele cômodo era meu castelo de um quarto só. O lugar onde descobri tanta coisa com a ajuda da tecnologia. Teve seus prós e contras, mas não mudaria nada.


Eu não conhecia Belford Roxo, não tinha amigos lá, só tinha medo. Medo de morrer jovem, de não conseguir conquistar meus sonhos, de minha mãe não voltar para casa, de meu pai, ao colocar o rosto para fora da janela durante um tiroteio, encontrar uma bala.


Eu vivia mais em São João de Meriti, do que em Belford Roxo, especificamente vivia em minha querida escola, Ciep 175 José Lins do Rego, um lugar que me transformou.


Lembro de subir aquele morro tantas vezes, mas todas às outras vezes, quando eu descia, eu era alguém melhor. Entrei naquelas salas em contextos diferentes, minha formação política está lá.


Se gosto de cinema, é muito por participar de uma oficina de cinema lá, do projeto “Mais Educação” do governo federal.


Teatro, gincana, biblioteca, cinema, rádio escola, grêmio estudantil… Esse último foi um grande aprendizado. Criei amizades que levo para a vida, fui presidente, não me reelegi, vi uma figura política que respeito muito se construindo e se tornando uma referência na cidade.


Depois, voltamos como pré-vestibular social, um sonho concretizado: centenas de alunos aprovados, amizades, experiência e a beleza de ajudar jovens negros a ingressar no ensino superior.


Nelson é uma inspiração de diretor, um ótimo gestor, um exímio professor e historiador, uma referência na Baixada Fluminense, transformando uma escola no Jardim Bonifácio, São João de Meriti, em referência na cidade e, quiçá, no estado.

“Manual Prático do Novo Samba Tradicional, Vol. 1: Dona Paulete”


Essa música de Vinicius Silva de Souza veio em um momento que se encaixou tão bem, virou uma espécie de trilha sonora do que estou vivendo.


Acho que surgiu o passarinho verde da esperança, e quem diria que quem luta incessantemente alcança?


Nesses balanços das andanças, aprendi a sobreviver.


E esse novo samba de Marcelo, visto em “Manual Prático do Novo Samba Tradicional, Vol. 1: Dona Paulete” (2024), que parece ter achado a fórmula da batida perfeita — após tanto procurar — o álbum é uma revisitação ao tradicional, do antigo ao novo.


Cuíca ancestral do Mestre Quirino, pandeiro e os tradicionais repique e tantã do Cacique de Ramos, somados à bateria eletrônica 808.


Também uma homenagem à sua mãe, que faleceu em 2021.


Essa escolha de “Castelo de um Quarto Só” para o repertório foi ótima.


Música essa, já eternizada há cinco anos na voz de Renato da Rocinha, um som de esperança, resiliência e força.


Prefiro a versão do Marcelo D2 por ser mais rápida e ter esse eletrônico e orgânico. Além disso, sou fã do cara. Mas não estou fazendo juízo de valor, só justificando por que comecei falando de uma versão e não da outra.


Ao terminar a escola, fiquei meio sem chão, sem referência. Fui trabalhar na C&A, mas em pouco tempo, vi como o subemprego iria cercear meus sonhos. Agradeço meus pais por insistirem para eu seguir meus estudos, me dando força para conquistar meu lugar. 


Meus irmãos da Demolay estavam entrando na faculdade. Fiz como eles, fiz pré-vestibular comunitário aos sábados, prestei o Enem, passei na 6ª chamada em Licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense.



Quem tenta incessantemente alcança.


E nesses balanços, eu aprendi realmente a viver. Fui bolsista em várias bolsas de pesquisa, gabaritei as possibilidades de sobreviver na universidade — tem lá no meu LinkedIn.


Também me envolvi, participei, vivi a universidade de todas as formas. Nunca o aluno exemplar, mas imersivo, proativo e envolvente.


Fiz documentários, entrei no mestrado, dei palestras, ministrei aulas, viajei o Brasil com o grupo de pesquisa Ginga UFF, organizei eventos — meu Lattes que o diga. Mas para que falar tudo isso? Só para explicitar que fui insistente.


Em meio a tudo isso, tinha o calor, a violência, a falta, os amores, as dores e, às vezes, a tensa volta para casa.

Minha mãe saindo às quatro da manhã para trabalhar todos os dias, em busca de uma vida melhor para seus filhos. Sem folga, cobrindo plantão. A distância existe, mas é curada pela abundância que se materializa no seu amor, em nos alimentar.


Valei-me, poderoso Deus, olhai esse pobre aprendiz e todos os meus irmãos que continuam vivendo essa vida dura, achando que a culpa é deles. Não entendo a lógica daqueles que só veem a gente como corpos prontos para exploração ou descarte.

É tudo pela minha Baixada Fluminense. 


Sinto tanta falta da Baixada Fluminense. Ter que ficar distante para conseguir fugir da lógica do medo dói, e como dói. Me sinto em exílio. Sinto falta da minha terra. Vou escrever “Mogi, Mogi”, assim como Caetano escreveu “London, London”.



“...I'm wandering round and round, nowhere to go

I'm lonely in London, London is lovely so

I cross the streets without fear

Everybody keeps the way clear…” 


“...Estou vagando por aí, sem ter para onde ir

Estou sozinho em Londres, Londres é adorável, então

atravesso as ruas sem medo

Todo mundo mantém o caminho livre…”

London, London

Caetano Veloso


Que saudade do samba. Talvez seja por isso que me encantei tanto com esse álbum do Marcelo. Uma mistura dos sons que estou ouvindo com a minha ancestralidade. Falta de uma terra que nunca foi minha, mas é tão minha, mesmo que muitas vezes tenha sido hostil comigo.


Talvez seja por isso que estou em São Paulo, que, olha só, me recebeu tão bem. Consegui um trabalho. Mesmo penando, aprendi a mexer no LinkedIn e vi a máfia dos sites de emprego. Meu Deus, nunca fiz tanto cadastro, nunca preenchi tanto currículo.


Podia ser tudo integrado, é cansativo esse capitalismo tardio. Por que as coisas têm que ser assim?


Trabalhei em uma agência, foi um desafio. Lá na Mooca. Tenho trauma de CPTM, indo e voltando espremido. Redução de velocidade, olha chuva. A volta para casa sempre foi incerta para mim. Conheci gente maravilhosa, me conectei, recebi elogios, aprendi com meus erros, vivi tudo aquilo. Saí mais forte e certo de que a única criação de conteúdo que gosto de fazer é da minha revista e demais projetos.


Passarinho verde da esperança.


Talvez meu castelo de um quarto só não seja aquele quarto sem teto em Belford Roxo. Seja essa cabeça que carrego por aí. Esse teto de amianto, que protege do sol, do tempo ruim, mas também pode ser perigoso para a saúde, para o mundo ao redor.


Fica tranquilo, troquei para Argila, uma alternativa resistente e durável, além de sustentável. 

Vou me balançando por aí, sigo em busca de alcançar meus sonhos, incessantemente, sem tempo para desistir. Sendo um eterno aprendiz de um mundo que tem muito a me falar ainda. E eu estou disposto a ouvir.


No chão da escola, vou buscar esse passarinho verde da esperança, que às vezes está guardado num guarda-roupa de uma gaveta só, no coração dos meus alunos e alunas.

Posso não ter dinheiro, um carro maneiro, nem saber sambar direito, mas tenho a história que construí — e isso me basta, me faz feliz.









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