O Cio Cibernético no Diversa fala muito sobre resiliência
- Pedro Santos
- há 7 dias
- 9 min de leitura

Evento contou com shows de Ratas no Cio, The Brendas e Caxtrinho no centro cultural
Me vejo pela primeira vez dentro do Diversa, que é um centro cultural ali na rua da Carioca, no Centro do Rio. O que achei interessante é o fato de ser um espaço escondido na rua entre as lojas de instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos, na esquina do teatro João Caetano. Simplesmente foi como um acontecimento do destino após ficar muito tempo sem sair para a rua. Creio que fiz a boa.
Lembrando que fui com uns amigos para prestigiar um aniversário em meio a apresentações que poderia dizer memoráveis.
Outra coisa que achei interessante foi saber que a rapaziada do Gentalha produzia uma cerveja artesanal, e essa parceria funciona como uma cooperativa anarquista.
Fico feliz em saber que existem lugares onde você pode ficar a vontade sem se sentir inseguro ou preocupado com alguma coisa da casa. Ponto positivo pro espaço. Um lugar que é autogerido e que promove cultura é tudo que precisamos dentro do RJ, com uma sensação de afago e acolhimento, que coincidentemente ocorreu em uma data que foi o Domingo de Páscoa.
O motivo foi que era para ser no dia anterior, porém rolou uma forte chuva que fez com que o Cio Cibernético fosse marcado para o seguinte.
O que é interessante também perceber é que foi um daqueles eventos que me deu a nostalgia da época a qual me aventurei de organizar festas para meus amigos, com direito a shows do pessoal que andava comigo, deixando mais com um clima de estar tudo em casa.

É legal perceber que havia pessoas talentosas no recinto e que promoviam, além de entretenimento, uma oportunidade de novos olhares para a arte. Rosita, a aniversariante do mês, estava no front junto a galera, tocando tudo pra deixar da melhor forma. Óbvio que eu tinha que perturbá-la e perguntar umas coisinhas.
[Pedro]: Quero saber como é que foi organizar toda essa loucura que foi esse evento, ainda mais no dia que era pra ser seu aniversário e acabou sendo um domingo de Páscoa [Rosita]: Cara, então, esse ano eu comecei a organizar eventos pela primeira vez com a minha parceira Brenda, e foi a coisa mais caótica que a gente já fez. E aí dessa vez eu tentei fazer uma coisa um pouco mais simples, né? Mais só banda, de performance, sem exposição de arte. Então já facilitou bastante, já tive essa experiência aí, já vi como é que foi. Mas é isso, tocando com amigos também fica sempre mais fácil chamar (...) E o Caxtrinho é um amigo de vários anos, então a gente já sabe como é que ele trabalha. Então facilitou demais [Pedro]: O que sentiu de mais dificuldade em específico nesse evento [Rosita]: Não sei, é... saber tocar bateria, na verdade, é a parte mais difícil (...) ter que ensaiar em casa, é a parte mais difícil pra mim, ter tempo pra isso, fazendo um monte de coisa. E ainda pra duas bandas, então manter ensaios com duas bandas foi pela primeira vez que eu fiz isso.

Primeiro, rolou um show de estreia da banda Ratas no Cio, com uma proposta de fazer um som que beirava ao new wave com uma vibe de jazz, bem num estilo lento, gostosinho no azeite. Foi uma ótima maneira de começar a noite, já que teríamos mais depois disso.
Logo após, começa a performance de Crystal Duarte, que vem trouxe o seu trabalho “Terapia”, o qual consistia uma sessão onde ela ficou amarrada e de bruços em um banco, apoiada pelas pernas para receber umas palmadas de um livro — que era do Freud (A Interpretação dos Sonhos [1900]), um chicote, ou um cinto, tudo isso após um discurso que continha a premissa da obra.

Ela criticava, por meio dessa liberdade que dava a quem não ficaria desconfortável em dar um golpe nela, a questão das mulheres como “corpos que se relacionam como receptáculos das frustrações socialmente responsáveis por uma manutenção do bem-estar" (palavras dela). Não à toa que o espetáculo tem esse nome, e essa proposta até cativou algumas pessoas.
O que mais impressionou também foi a reação de Crystal, que comentou comigo sobre essa receptividade em torno da prática dos visitantes.
[Crystal]: Cara, foi muito maneiro. É muito diferente do ambiente de galeria, né, que foi o outro ambiente que eu fiz a performance. Mas é bom no calor. Foi melhor essa coisa da fila, do direto. Uma reação que eu achei curiosa foi as pessoas batendo palma depois delas baterem (em mim). Isso foi bem curioso porque no Barclay era uma pessoa de cada vez. [Pedro]: Qual é a maior dificuldade de fazer uma performance igual a essa? [Crystal]: Olha, pra mim é o momento da quebra de gelo, esse cruzar da linha do visitante com o do participante. Tem que ter aquela primeira pessoa que vai em cima, entendeu? Se mantiver aquele clima de distância, de todo mundo só olhando e a coisa não fluir… Acho que esse é o maior medo, e pode ser uma possibilidade. E tá tudo bem também. Não deixa de ser uma resposta pra experiência. [Pedro]: Você já faz isso há muito tempo? [Crystal]: Olha, eu faço isso há um tempinho. Desde a faculdade de cinema, que eu já comecei a fazer uns trabalhos experimentais. E aí, saí da faculdade direto pro mestrado lá na EBA. E aí tô nesse corre. É colação de lambe, é performance, é banda, é tudo junto.
Assim que terminou a performance, veio o show da THEBRENDAS. Um show que compunha música e performance — foi como eu percebi esse momento enquanto pegava mais uma cerveja estalando nas minhas mãos — transformando a apresentação em um teatro com diversas camadas, desde a palavra falada até o musical, de certa forma.

Gostei do fato da diversidade de instrumentos: o casting clássico de banda (guitarra, baixo e bateria), um violino e vocais com FX nos momentos mais experimentais das canções. Era também presente no show da banda anterior uma estrutura similar, mas não do jeito que vi naquela hora.
Então eu quis entender mais um pouco dessa viagem com a Brenda, que por sinal leva o nome da banda. Ela foi uma querida e trocou essa ideia comigo.
[Brenda]: Cara, foi muito gostoso, foi ótimo. Geralmente é bem tenso assim, tocar, porque esse rolê do underground é meio caótico, né? Então, tipo assim, sempre tem um probleminha técnico ou outro, e não dá tempo de passar som, e não sei o quê, e a gente tem um show que depende muito do público também pra determinar se ele vai ser bom ou não, sabe? E hoje a gente teve um público muito presente, com muita vontade de ouvir a gente, participar, então acho que isso é essencial. Então foi muito gostoso, assim, sabe? [Pedro]: Quase todos os shows são assim? Ou varia muito [Brenda]: Cara, varia muito. A gente tem um repertório muito específico e objetivo, e a gente reproduz ele. Todo show vai ser diferente, mas eu acho que o nosso show depende muito do outro. Então assim, o outro é que define o que vai ser, assim, sabe? Se a galera está com a energia baixa ou não está muito a fim de se envolver. Tipo, o último show que a gente fez aqui no Diversa, a gente sentiu que era uma outra galera, uma galera mais velha, mais do rock mais clássico, assim, e a gente sentiu uma resistência, sabe? O nosso show, que é uma coisa mais experimental. Então isso afeta também e gera outro clima que faz parte. Mas hoje a galera estava muito dentro, estava muito aberta e foi muito gostoso [Pedro]: Para você, conta mais a performance,a música, ou é um pouco dos dois? [Brenda]: Um pouco dos dois. Eu acho que, assim, são coisas diferentes que no fim elas se juntam num só. Como é que eu posso dizer, a gente não tem uma formação de músicos, né? Tipo, eu sou artista plástica, pintora, a Rosita também é formada em pintura, então a gente meio que traz outros saberes para o trabalho, assim, sabe? De performance, de arte visual, outras referências. Então a gente não tem um trabalho, uma banda só de músicos, sabe? É uma banda de artistas de diferentes manifestações que misturam tudo num só. Então, tudo é muito importante.
Um detalhe muito legal foi que antes de acabar o show, rolou uma surpresa pra Rosita, com um bolo de brigadeiro que estava gostoso, e todo mundo da festa foi comer assim que a apresentação terminou. E quando estava entrevistando a aniversariante, ela me revelou um easter egg a respeito do bolo. Tá, não é bem uma curiosidade, mas achei interessante saber.

[Pedro]: Como é que se sentiu na hora ali quando o pessoal puxou o bolo? Você sabia de alguma coisa? [Rosita]: Não, não sabia, achei que era zoeira. E o The Brendas, o último show que a gente fez, teve um bolo, né? Que a gente, por algum motivo, acha que o bolo combina com a nossa música do Instagram que a gente nem tocou hoje. Mas, a gente quer fazer um clipe que tem um bolo também. Então a gente, sempre que tem aniversário, leva um bolo pra essa música. E a gente não tocou essa música hoje. Então, achei que era alguma alguma brincadeira. Não sabia que ia ter... é meu primeiro bolo surpresa da vida.
E como é que fechamos a noite? Com um show do Caxtrinho, sem mais. Ver pela primeira vez uma parada igual a que ele fez lá no Diversa foi absurdo, eu não tinha mais o que pensar depois daquilo ali.
Ele fazia a sua forma sons que remetesse à miscelânea da música popular brasileira, e isso me deixou cada vez mais empolgado durante o show.

Óbvio que não quero resumir a experiência a isso, porém acho que foi a melhor definição que teria para atribuir o que tinha acabado de ouvir dele e da sua banda. Devo dizer que esse show também foi pra divulgar o seu disco mais recente que saiu, o “Queda Livre”. Perguntei como foi fazê-lo dentro do centro cultural.
[Caxtrinho]: Eu acho que, na verdade, acho que todo show é muito único pela possibilidade do que você pode desenvolver com o público mesmo, né? O Diversa tem um público bem especial, uma galera muito maneira que cola aqui. Um show bem afetivo e, pra mim, isso é sensacional. Essa troca, na verdade, é o que me motiva a continuar fazendo música. [Pedro]: Muda a interação com o público a cada show ou é quase a mesma coisa? [Caxtrinho]: Eu procuro fazer com que nenhum show seja igual ao outro. Então, eu acho que muda, sim, muda muito. Depende do ambiente, do calor do ambiente, da proximidade das pessoas, da interação que elas vão ter com a música e o som, né? Porém, hoje foi muito caloroso, então essa comunicação é bem fácil.
Perguntei também sobre os empecilhos dessa jornada que é proporcionar lazer e entretenimento. Principalmente quando um dos problemas é a questão da distância.
[Pedro]: O que você acha que é um grande obstáculo? Uma parada que pode travar o teu show? [Caxtrinho]: É a questão da minha mobilidade. Eu moro no município de Belford Roxo, que fica a mais ou menos uma hora e meia do Centro. Isso quando não tem engarrafamento, e eu gostaria muito de fazer mais shows na minha cidade. Porém, nós não temos uma viabilização cultural no estado que promova esses eventos em todos os lugares. Então, o meu trabalho acaba acontecendo aqui mais pro centro da cidade e acho que essa é uma dificuldade pra mim.
Embora seja um enorme problema produzir e tocar ao mesmo tempo, e sair de sua casa pra chegar no evento com horas de antecedência, o Cio Cibernético provou ser uma festa que merecia ter acontecido independente da chuva que ameaçou adiar de novo, uma vez que era pra ser no dia anterior.

Eu gostei de fazer parte disso até porque estava entre amigos ali. Eu senti essa energia fluir ao redor do Diversa, e posso dizer que foi uma das melhores coisas que aconteceu comigo neste ano.
E “continuar” é o verbo que faz a roda da cultura girar, pois é mantendo essa vontade de fazer arte que promovemos novos olhares, transformações, mudanças permanentes. E a Brenda lembrou de uma coisa importante:
[Brenda]: Acho que para as mulheres, principalmente para as de quebrada, que não são brancas, tipo, que é muito mais difícil estar nesse rolê do que para, enfim, outras pessoas, como o carinha branco da Zona Sul… cara, só faça, entendeu? Comece do jeito que você tem, comece fazendo uma merda, mas faça, porque é só dentro do processo que a coisa cresce, se expande. Então, tipo assim, se você for esperar ter algo muito foda para fazer ou esperar tal coisa, você nunca vai fazer.
Crystal tem o mesmo lema, reforçando que é importante encarar o fracasso como parte da trajetória:
[Crystal]: Cara, não desiste no fracasso. É normal se frustrar, é normal dar errado. Essa tensão ao perfeccionismo, esse medo de errar, mata um monte de artistas, um monte corre. Então, fracassar é normal. É… frustração é normal, tudo faz parte, entendeu? É só continuar, continuar todo dia. Prática é um bagulho que se constrói com o tempo.
Rosita, por mais que tenha sido aniversariante, nos deu o verdadeiro presente nesse evento, falando o quão importante é fazer evento com os nossos.
[Rosita]: Produzam eventos, produzam com seus amigos, e aproveitem todas as oportunidades pra estar fazendo arte, divulgando o trabalho de seus amigos. Comemorem a arte.
Essa matéria só foi possível graças ao pessoal que aceitou falar comigo durante o Cio Cibernético. Infelizmente não deu pra colocar tudo aqui, mas separei as falas mais importantes e que representaram a vibe que foi proporcionada no Diversa.
Quero agradecer ao pessoal da casa por me deixarem à vontade e livre para trabalhar do jeito que imaginava: me divertindo. Esse foi o “Acorda Pedrinho” de hoje, e até a próxima cobertura.
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