NOVABAD 2025 : O enterro
- Rosita.
- 12 de mar.
- 5 min de leitura

Achei que ainda não teria superado os traumas do carnaval passado. Na época, tinha começado a namorar um homem medíocre que se julgava entendedor de Carnaval, mas que se absteve propositalmente de passar o carnaval comigo. Ele queria a independência dele.
Já tentei brincar em inúmeros carnavais, mas confesso certa inabilidade para isso. Tenho uma coleção de histórias ruins sobre perrengue e assédio e nenhuma história sobre um bom romance.
E esse ano já tinha calibrado minha fúria, estava pronta para encarar o carnaval sozinha, bem melhor dessa vez, esperando o primeiro grupo de amigos me dar aquela carona. Marcos, um amigo, estava nesse grupo.

Incentivador dos meus projetos artísticos, ele me viu uma vez tocando um groove simples de bateria nos stories, e me chamou pra fazer uma banda com minha melhor amiga justo na época onde estava eu guardando rancores do meu namorado — até naquele momento — que era simplesmente incapaz de tocar qualquer coisa comigo mesmo tendo um estúdio de música na casa dele, aiai.
Mas Marcos presenciou muitas histórias mesmo de sofrimento que passei. E olha que nessa época eu nem o conhecia pessoalmente, era somente um amigo de uma amiga, uma simples postagem nos stories criou uma amizade e uma banda.
Deus sabe como fiquei feliz por poder tocar com minha melhor amiga, por eu ter simplesmente um espaço pra desenvolver meu aprendizado, pois eu, burra velha, artista visual, já não considerava ter mais tempo de aprender algo novo como música no estilo tradicional de aulinha-casa-aulinha-casa-aulinha-casa.

Eu precisava de PESSOAS, da emoção de tocar junto, de aprender, fazendo me perder e me encontrar e, nesse caso, é sempre ótimo estar acompanhada de alguém que realmente é um artista musical há 10 anos, e que sabe tudo sobre harmonias, acordes, escalas musicais, dó, ré, mi, fá, sol, la, si, dó.
Marcos tinha me convidado para ir ao Boi Tolo, bloco que acabei não indo nesse Carnaval, mas devo confessar que foi esse convite que me cravou a certeza e me deu a última dose de coragem que me faltava para afirmar “sim, eu vou encarar esse carnaval, não vou sucumbir aos meus medos de passar perrengue e ser assaltada”.
Era o primeiro dia de carnaval e estávamos Marcos, Tonhão, uma desconhecida e eu a caminho do NOVA BAD, bloco que até o momento eu jamais tinha tido o conhecimento mas que todos meus amigos artistas estavam falando que iriam nesse bloco.

Não tinha como dar errado; se seus amigos artistas estão indo no bloco, esse é o bloco certo. Afinal de contas, Carnaval é sobre MÚSICA, sobre ARTE, ao menos era o que eu buscava, como sempre busco em qualquer coisa que faço na vida. E indo no mesmo bloco que Marcos estava indo, eu estava tranquila sobre sua qualidade musical, mesmo que nas postagens de Instagram o bloco claramente anunciava o seu fim nesse carnaval, então estava eu indo no último ato desse bloco, no enterro da NOVA BAD.
Achei poético.
Com um repertório de músicas internacionais e nacionais sobre a bad vibes, sofrência de amor e tudo mais, a NOVA BAD se apresentava. Imponente eram seus pernas de pau com meninas desnudas, amarradas só por uma cordinha preta ou branca, pois as cores do bloco eram o preto e o branco, anjos espectrais de ida ventura, de característica gótica e sensibilidade envolvente, a maioria das fantasias trazia olhos chorosos e maquiagem manchada, uma estética uniforme contagiava a banda e todos os que estavam em volta, me sentia passeando pelo cemitério da Consolação, véus negros estavam em toda parte assim como lagrimas de sangue, pérolas branquíssimas e um rastro de brilho prateado que fazia o preto reluzir ainda mais sob as ruas da Avenida Chile naquele sol a pino, atmosfera surrealista para aqueles acostumados com um típico carnaval carioca. Nesse momento eu sabia que estava no lugar certo.
Lembrei de um amigo que riu da minha escolha de bloco, falando “Nova Bad? Isso é engraçado, tendo em vista a sua situação atual”.

A situação atual a que ele se referia eram os três meses atrás que meu ex-namorado havia terminado comigo, demorei um pouco pra entender porque de fato já não era mais algo que permeava tanto meus pensamentos. Não tinha me dado conta do significado por trás do nome do bloco. É como se estivéssemos em busca sempre da próxima bad que iremos sofrer.
Mas a mensagem do bloco é clara: já sofremos ela antes, já superamos ela diversas vezes, vamos continuar superando; tratava-se de um bloco para “chorrir”, e me tocou profundamente esse viés poético destinado ao carnaval, época da ditadura da felicidade e da curtição, época de ignorar os problemas sociais e financeiros que estamos vivendo. Que liberdade era poder ser triste também.
Porque, como eu disse uma vez ao meu amigo Marcos, a quem aproveito o momento aqui para dar feliz aniversário, a vida é feita de felicidades e tristezas, e ainda bem.

Tristeza e felicidades se encontravam catarticamente naquele bloco que não se limitava a trazer somente música e excelentes fantasias que enchem os olhos, mas também belíssimas performances artísticas por parte dos componentes, seja cantando “você não me ensinou a te esquecer, você só me ensinou a te querer e te querendo, vou tentando te encontrar” e vendo todos os trompetistas se jogarem no chão, seja no belíssimo trompetista principal com sua maquiagem borrada de choro sincero e fiel sentado em uma mesa de bar no meio da banda e do bloco, bebendo vinho barato e fumando cigarros atrás de cigarros, trazendo a mais pura performance da agonia e do sofrimento.
É lindo ver o sofrimento passar na passarela, e ele ali se misturava também com o sofrimento pelo fim do bloco, a última vez que aquele chafariz humano de emoções se encontrava sob o estandarte da NOVA BAD, com os dois olhinhos chorando, agora era hora de chorar de verdade, de saudade desse carnaval.
Achei lindo toda essa relação entre forma e conteúdo, como que a proposta poética do bloco acontecia viva de verdade encarnada nas pessoas, e senti vontade de chorar arrepiada ouvindo os foliões cantarem durante os silêncios que a bateria fazia.

Em nenhum momento o sofrimento cessou a euforia, a alegria de estar vivo sendo um ser sensível e passível de ser atingido pelo outro, humanidade para fora da casca, tudo nu como muitos foliões que entregavam alma e carne para a festa continuar seguindo, como quem coloca todos os demônios para fora e celebra esse momento, somente a espera do próximo pesar e luto que teremos que encarar.
Foi quase mas não chorei junto com o bloco, não pensei em nenhum passado e nenhum rancor, era impossível, tudo era uma única coisa e o sofrimento de todos era igual e banal, todos estavam transparentes e por isso beijei Marcos antes que o bloco acabasse naquele empurra empurra clássico que deixa a gente sem espaço pessoal, uma massagem humana híbrida que impossibilita a passagem, mas quem se importa com a passagem naquele momento?

Poderia ficar lá para sempre, sentindo ser todos e ninguém ao mesmo tempo, e comprando mais uma skol beats já torpe dos sentidos, sendo capaz apenas de, em um gesto rápido como um gato, roubar um gelo do ambulante que abriu seu isopor em um milésimo de segundo e ter como prêmio esse mesmo gelo passado pela extensão da minha nuca e costas para me tornar esse corpo que já não se importava mais de estar abandonado ao sol de meio dia, coberto de tesão e se mostrando incapaz de segurar os instintos nem mesmo para mijar no meio fio como de costume.
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