Música Marolenta com Atitude Punk: A Revolução Sonora de Ondapesa I
- Pivete
- 17 de fev.
- 8 min de leitura

De dentro de uma kitnet em Jardim Primavera, Duque de Caxias, Leon Soares, ou simplesmente ondapesa, cozinhou sua música eletrônica marolenta com atitude punk. E não só na sonoridade, mas na postura: provocativa, contestadora, sem grilões, fora das caixinhas onde sempre tentam nos enfiar.
Independente, marginal, vindo de um território negro e indígena, estourando caixas, mentes e fórmulas mercadológicas. Um álbum de sons que subvertem expectativas e reafirmam a Baixada Fluminense como um lugar de talentos indomáveis.

"Minhas canções são caóticas, igual minha mente (risos). Eu penso mil coisas por segundo! (...) decidi fazer músicas pra tremer todos os sistemas de som, porque talvez eu não tenha outra oportunidade de estar em determinados lugares. Quero fazer cada instante valer e, mesmo que não gostem, que fiquem marcados pela minha presença."
"ONDAPESA" abre oito faixas que te fazem viajar, sacudir e questionar o sistema. Repensar a estética que te vendem ou simplesmente rebolar, entrar na onda e deixar Leon te levar para onde você quiser. Sem falsa modéstia, o bagulho está insano. Acompanho esse artista desde "De Morreba à VSL" e fiz questão de trocar essa ideia com ele por esse trampo ser uma das coisas mais originais, inventivas e fora da caixa que ouvi recentemente.
"Música Eletrônica Marolenta Com Atitude Punk é algo que não consigo explicar sem que as pessoas ouçam. Acho que a gente pode interpretar a 'marolência' como foi a psicodelia nas décadas passadas: uma combinação de elementos que subvertem expectativas e fazem nossas mentes criarem novas conexões sobre o que é possível dentro dessa forma de arte.”
Não tento aqui explicar uma revolução em andamento. É preciso imergir. Ondapesa cria seu próprio gênero, seu ritmo. Como ele mesmo diz, até seus erros são parte da sua identidade. Suas letras são cutucadas na ferida, provocação pura.
"Vilania" é um hino de revolta: desajustada, perigosa, "só bandido bolado, dando fuga na Blazer, girando a milhão, esperando quando essa porra vai mudar de vez".
Em "MAAFA", reafirma sua posição política. Denuncia um sistema que vilaniza e vitimiza ao mesmo tempo, enquanto vidas são descartadas e a memória enterrada. Tudo isso em cima de instrumentais insanos. Protesto que não se acomoda.
"Raasclat" é puro punk. Punk, como todo cria da Baixada. Punk com as desigualdades, com os lugares onde tentam nos enfiar. Aqui, nós ditamos as regras. Não é submissão, é afronta. A cidade tem sua trilha sonora, e essa cultura grita. Grita por um protagonismo que tentam negar, mas, no fundo, todo mundo sabe quem dá vida a essa porra de país.
"Tentaram entender os nossos motivos... Não, não, não."
"PNTRN CLCN DNT" é a potência de ondapesa em forma de som. Questiona até as sensações que a batida causa no corpo. Como dançar isso? Sei lá. Eu só me balanço, espero a festa, me jogo. Onda pesou, caixa vibrou, um caos harmônico no trenzinho, vendo "ela brotando pra baforar com os cria do movimento".
"BGLB" parece um respiro, mas não é. O olhar trocou. "Vamos falar de amor? Vou te fazer uma proposta, nóis mete o pé agora, vou fazer tu gozar antes de te tacar." Poesia marginal, de quem gosta de pesar na onda. Seja na braba ou só na água, de todas as formas você vai dançar, novinha. Talvez até querer transar também.
"Mó, bagulho bom poder fuder pensando em nada, na onda da braba."
"PRIDE MONTH" traz guitarra, poesia provocativa e um recado direto pra um otário qualquer. Psicodelia pura. Me seguro aqui para não resumir em "muito foda". Ondapesa expande a estética da Baixada Fluminense, mostrando que aqui a efervescência é maior que qualquer cartão postal.
"IP-98" fecha o álbum deixando aquele gosto de quero mais. Um aviso: cuidado com as ervas daninhas. A modernidade está aí, tudo mudou. "Nós não caímos no papo de sionista, nós apoiamos a Palestina."
Punk como deve ser, marolento como tem que ser. Música eletrônica da Baixada. Leon. Ondapesa. Jardim Primavera. Duque de Caxias. O que tem na água desses crias?
"Nenhum produtor faria o que fiz, porque considero até meus erros parte da minha identidade sonora e da minha verdade. Não faz sentido ter uma faixa tecnicamente bem feita, mas sem vestígios da minha essência ali."
Se liga nessa entrevista braba que o Pivete fez com o ondapesa!

Sobre o processo criativo e a identidade do álbum
Como foi o processo de criar, produzir e finalizar esse álbum todo dentro de um kitnet em Jardim Primavera? Esse espaço influenciou o som e a estética do trampo?
Minhas canções são caóticas, igual minha mente (risos)
Eu penso mil coisas por segundo! Mas confesso que ser um artista do segundo distrito da minha cidade gera uma frustração, porque é mais difícil estar onde outras pessoas criativas circulam. E acho que a internet não gera conexões reais, é preciso convívio, olho no olho. Então, decidi fazer músicas pra tremer todos os sistemas de som, porque talvez eu não tenha outra oportunidade de estar em determinados lugares. Quero fazer cada instante valer e, mesmo que não gostem, que fiquem marcados pela minha presença.
Você define o som como “música eletrônica marolenta com atitude punk”. O que significa essa mistura pra você? Quais referências te ajudaram a moldar essa identidade sonora?
Música Eletrônica Marolenta Com Atitude Punk é algo que não consigo explicar sem que as pessoas ouçam. Acho que a gente pode interpretar a "marolência" como foi a psicodelia nas décadas passadas: uma combinação de elementos que subvertem expectativas e fazem nossas mentes criarem novas conexões sobre o que é possível dentro dessa forma de arte.
A atitude punk é o espírito DIY, a crueza da mensagem e da entrega. “ONDAPESA I”(2025) não é sobre polimento ou sofisticação no sentido erudito. Fiz de um jeito que (espero) desperte nas pessoas a mesma chama que acendeu em mim quando pirei nos meus artistas favoritos.
Tem algum som no álbum que você sente que traduz mais sua trajetória e seu corre na música? Qual e por quê?
Gente, posso dizer com tranquilidade que todas as faixas desse trabalho refletem exatamente o que foi a ondapesa nos últimos dois anos.

Sobre a cena e as influências periféricas
O álbum nasce na Baixada Fluminense, um espaço muitas vezes invisibilizado na cena musical. Como a quebrada atravessa seu som e seu corre?
Ser artista na Baixada Fluminense é um divisor de águas no meu trabalho, comparado a quem cai nessa caixinha da música alternativa. É um território negro e indígena, e até nisso tentam apagar nossa identidade e ancestralidade, tá ligado?
Um dos maiores instrumentos de letramento e organização é o Hip-Hop, e eu sou muito influenciado por esses atravessamentos. Quando tomei a segunda dose da vacina e comecei a me sentir mais confortável pra botar a cara na pista, tive a felicidade de ver muita coisa acontecendo na rua. Esse espírito agregador das festas e eventos abertos pra geral foi fundamental pra eu direcionar minha energia pra algo que refletisse também o espírito do meu tempo.
O Point 25 aparece como um espaço importante na sua caminhada. Que papel esses espaços independentes têm pra artistas como você? Como vê a cena underground da Baixada hoje?
Salve pra Rebecca Nascimento, que teve essa ideia maluca de abrir um bar pra receber os amigos e apostar nas ideias de quem tava com vontade de fazer algo diferente do que já era ofertado na cidade. O Point 25 foi um oásis pra mim. Conheci várias pessoas que levo comigo até hoje. Sinto mó falta. Infelizmente acabou, e parece até um sonho quando olho pra trás.
Acho que não se trata de uma única cena, mas de CenaS. Temos circuitos de batalhas de rima, e todo ano surge alguém diferenciado, tanto nas MCs quanto na produção das rodas culturais. Temos videomakers, cineastas independentes, artistas visuais, artistas plásticos… Quando vejo tanta gente talentosa se reunindo e criando, sinto que estamos escrevendo um capítulo importante nesse território.
É até engraçado como quem não é da Baixada jura que somos um super grupo mega organizado e unificado, mas, na real, somos diversos. E ainda podemos ser mais! Ainda falta mais mulheres negras e pessoas trans em posições estratégicas. Um dia de cada vez.
Seu primeiro show foi em 2023 e mudou tudo pra melhor. Como foi essa virada de chave? Qual foi o impacto disso no que você faz hoje?
Mano, foi o Jéz***, outra pessoa com uma ideia absurda de movimentar e fomentar a produção de arte na Baixada.
Eu tinha lançado Morreba à VSL e ainda não tinha feito nenhum show nessa nova fase. Foi ele quem abriu as portas pra eu dividir line com a Afrodite e a Xamy, acompanhado da banda dos sonhos de qualquer um. Três canções, duas autorais e um cover do Planet Hemp. Eu e Yargo vendo minha família e amigos reunidos, vibrando junto. Levei até meus avós, mané (risos), porque precisava mostrar pra eles que aquilo era história sendo escrita diante dos nossos olhos.
Dali em diante, não parei mais de fazer show. Fui destravando várias cidades na Baixada e até outras regiões da capital. Se hoje tô no radar de algumas pessoas enquanto ondapesa e não só como Leon, foi por causa dessa aposta. E espero poder fazer o mesmo por outra pessoa no futuro.
(***Nota do autor: Jéz é uma das figuras mais brabas da cultura da Baixada Fluminense, além de ser um exímio cantor de R&B, é um dos idealizadores do Baixadaincena, Prêmio Bic e o revolucionário EspaçoBic)

Sobre o corre independente
Você assina a produção, a mix, a master e ainda divide a produção executiva. Qual foi o maior desafio e a maior vitória de lançar esse álbum de forma independente?
Faço a produção, mix e master porque não tenho grana pra bancar uma produtora e precisava investigar meu som por conta própria. Nenhum produtor faria o que fiz, porque considero até meus erros parte da minha identidade sonora e da minha verdade. Não faz sentido ter uma faixa tecnicamente bem feita, mas sem vestígios da minha essência ali.
Na parte burocrática, eu e Yargo dividimos as tarefas. E é um trampo que precisa ser feito, senão a carreira não anda: ir atrás de lugar pra tocar, fazer contato com distribuidora pra entender por que algo não saiu como planejado, mandar e-mail, procurar artista pra capa, tirar do bolso pra pagar coisa X… Operamos como uma produtora caseira, e o ralo de dinheiro é a banda (risos).
Mas não reclamo. Tenho certeza de que, uma vez que dominarmos essa parte do trabalho, a ondapesa vai estar consolidada, organizada e saudável. Não acredito em vida de rockstar. Prefiro uma caminhada longa, que me recompense no futuro. Não comecei isso atrás de sucesso imediato, quero fazer disso o trabalho da minha vida. Então, o desafio é não perder o foco e não surtar. A maior vitória é ver que todo o esforço é recompensado pela resposta das pessoas.
Agradecimentos como o da @vercosa_ mostram que até pagar a tarifa da distribuidora é um corre. Como é sustentar a própria arte e quais são as dificuldades de fazer música sem grandes estruturas por trás?
E estendo os agradecimentos ao Vinivask, que deixou a gente lindão nos teasers do álbum.
Mano, tudo em torno de um lançamento é um corre: gerar o ISRC do fonograma, registrar compositores e envolvidos, tentar contato pra pedir autorização de uso de imagem, sample, capella tirada da net… Tentar ser o mais ético e profissional possível. Independente não significa bagunçado.
Isso fica de visão pra quem tá começando: é melhor planejar os passos do que sair atirando pra todo lado e depois se frustrar porque não tinha estrutura pra segurar uma grande oportunidade. Ser artista da música é questão de teimosia. Se você não for obstinado e obcecado por essa forma de expressão, o ânimo vai passando e o encanto acaba.
Acho muito importante estudar maneiras de tornar o corre viável. Não tem fórmula, mas conhecimento e bons amigos pelo caminho dão alguma direção.
O que você espera que esse álbum provoque em quem escuta? Que mensagem ou sensação quer deixar na pista?
Quero que as pessoas fiquem curiosas pra investigar o que tô falando ali. Tenho planos pra estender os debates que apresento ao longo das oito faixas.
E, claro, espero que esse trampo chegue em quem precisa ouvir. Sei que não é um som pra todo mundo, mas tomara que rode cada vez mais longe e me leve a conhecer mais gente pelas encruzilhadas da vida.
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