"Infelizmente, isso aqui é uma guerra": Notas sobre a guerra civil brasileira
- Pedro Dumont
- 1 de ago.
- 4 min de leitura

Quando você não sabe o que está acontecendo no mundo, você está definitivamente em desvantagem. (Assata Shakur)
Recentemente saíram os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 que levanta a quantidade de mortes violentas intencionais (MVI) para cada 100 mil habitantes. Os crimes (categoria de registro) contabilizados são: homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, mortes de policiais e mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP).

De maneira geral os dados apontam uma queda de 5% dessas mortes, ao todo 44 mil mortes violentas intencionais, nesse índice já batemos 63 mil homicídios em 2017.
Para além das noticias fui ler o anuário e uma parte me saltou os olhos. Na parte de “Quem morre e como morre no Brasil” destaco um gráfico estarrecedor, o de distribuição das MVI por faixa etária e categoria de registro (em %).

O gráfico se restringe a mostrar as quatro maiores causas que estão na MVI e, para além do que já sabemos de que as maiores vítimas em absoluto são homens negros, este gráfico nos aponta que quem puxa as taxas de morte e vitimiza nossa juventude é a polícia. Perceba a disparidade das outras categorias para as mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP), apenas ela garante o pico de 40 por 100 mil habitantes, dentre elas 99% são homens e 82% são negros.
São Paulo foi a que apresentou a maior variação de 2023 a 2024, um aumento de 60% de mortes por policiais (efeito Tarcísio?), porém os municípios que aparecem no top 10 estão majoritariamente na Bahia, com Japeri (RJ) em 7ª colocação.

Perceba, nossos jovens não morrem de homicídio, latrocínio ou lesão corporal seguida de morte, estas configuram entre os mais velhos, nossa juventude morre de POLÍCIA. A partir disso podemos fazer algumas reflexões dos porquês desse dado. Se comparado ao Rio de Janeiro, a Bahia vive o início das organizações criminosas e as disputas de território entre elas com um aumento de poder de fogo das facções, algo muito parecido com o que foi a década de 90 e 00’ no Rio.
Isso significa dizer que em alguma medida o Estado não tem um interlocutor para negociar, pois o território está em conflito deflagrado.

Já é sabido que o Estado realiza acordos com os criminosos para redução dos números e cada um fica na sua, famoso arrego. Isso em alguma medida abaixa os índices de morte, roubo, furto etc. Esse arrego é feito de maneira mais organizada em São Paulo, com o PCC, tanto que as estatísticas positivas são fruto desses acordos.
Portanto, na Bahia não vemos esse nível de organização, prevejo que avance com o tempo, isso explica em parte a alta de MDIP ser muito mais alta no Estado, mas não é nesse elemento superficial que quero me ater.

O que quero deixar em evidência é que independente do uso legal ou ilegal da força na ação policial essa tem estruturalmente um alvo específico, que não à toa, se encontra a margem do exército de reserva – este que ainda orbita o sistema de acumulação. O gráfico demonstra uma política oculta promovida pelo Estado; uma imbricação entre a promoção da guerra as drogas como narrativa social, o auto de resistência como justificativa legal, o morticínio para o controle demográfico de uma juventude excedente que pode não ter nada a perder e virar o jogo com a causa certa.
Portanto, a política em curso é de contrainsurgência preventiva por parte do Estado Policial que colabora na distribuição de drogas e armas na periferia, com isso ganha o aval jurídico-social para combate-las, mas que no fundo sua justificativa concreta é a contenção dos elementos subversivos de outrora, com beneplácito da sociedade de bem e do Ministério Público que por não investigar nada, reforça a hipocrisia desse teatro.

Dessa forma espalha o medo paralisante na sociedade e mantem o controle do território pelos seus subordinados que reorienta toda força potencial dos jovens para uma rua sem saída. É um jogo circular fechado em si, onde o policial é a lei, o juiz e o executor, um jogo perverso pensado e promovido por instituições calcada na lógica do sistema de exploração.
Quem ganha e quem perde com a morte de nossa juventude?
Se formos parar pra ver a construção do Estado Policial é um tanto recente e vem aperfeiçoando a forma de promoção da guerra civil permanente, enquanto forma social de extração de mais-valor e contenção política desde o nível do imaginário até as formas simples de solidariedade em uma vida comunitária.

Tente pensar em como realizar um trabalho social contundente dentro de uma favela onde o fuzil já é algo banalizado.
É exatamente essa naturalização do absurdo, ou simplesmente realismo capitalista, que fundamenta e aprofunda o Estado Policial na tentativa de superação de suas crises insolúveis. É nessa dinâmica que vamos normalizando a guerra, as queimadas, a tragédia e a vida vai se fazendo em uma brecha cada vez mais estreita.

Se para superar suas crises o Estado Policial se aprofunda, o que podemos esperar do futuro? Que novas configurações observaremos no Estado? Temos algumas pistas já no horizonte como as escolas civis-militares, a nacionalização e profissionalização da milícia, a unificação entre igreja evangélica com o Estado e seus discípulos varejistas (narcopentecostalismo?).
Para conseguirmos nos livrar dessa arapuca temos que pensar fora da caixa, para além de políticas públicas, mais em termos de dignidade humana, soberania popular que vise fortalecer outra sociedade a partir da compreensão do que se passa, ter a real dimensão do problema. Para isso é preponderante de antemão a não integração a esse jogo, a não conformação política nesse teatro que reduz nossa ação as representações que administram a maquina de guerra que trucida nossa juventude.

Nego Bispo já nos alertou “o Estado é um trem encarrilhado nos trilhos do colonialismo. Ou você constrói outro trilho, ou vai para o mesmo lugar, seja quem for o maquinista”.
A Bahia completará 20 anos de governança do partido da conciliação de classes e devemos parar pra pensar onde ela nos trouxe e para onde nos levará daqui a 20 anos?
Comments