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ICARUS, o Ícaro Negro de Bk: esse neguinho achou mesmo que podia voar?

Atualizado: 17 de dez. de 2022


Autor: Iago Menezes ( @VisualbyPivete)

REVISTA MENÓ | 5° edição



(crédito: Bruna Sussekind/Divulgação)



O que é ser negro no Brasil do séc. XXI? Ter maiores oportunidades de ascensão do que nossos antepassados é uma benção, mas com mais oportunidades surgem novos desafios e, consequentemente, novos obstáculos. Alguns pegam atalhos perigosos e traiçoeiros, e na ambição, chegam muito perto do sol.


E se o mito grego de Ícaro fosse um folclore brasileiro de um negro, que como muitos, voou muito perto do sol? Daria livros, filmes, Cidades de Deus de Paulo Lins, ou de Kátia Lund e Fernando Meirelles, e um álbum de Abebe Bikila, corredor nato, rapper, uns dos maiores cronistas da nossa era.


Entre sirenes, flashes, traçantes e estrelas cadentes. De onde o calor do sol queima sola de pés no asfalto quente, até o momento que ele aquece seu corpo enquanto pega um sol na piscina de sua mansão. A caminhada é longa, com atalhos ou não, tome cuidado com sua ambição. O sol pode queimar suas asas, essa é a lição de “ICARUS” (2022) de Bk, que se coloca como o personagem principal da obra, pois é preto, rico e famoso, tudo o que o sistema NÃO quer.


Foto Armado de BK com participação de Major RD é bem isso, todos os dias vemos a mídia em uma luta constante contra os negros que não deveriam - para eles - estar ali. Os flashes cegam, sabemos bem, mas além da cegueira temporária, carrega outros diversos problemas. Ainda mais quando tu é um negro hypado! Nós sempre fomos cancelados “por causa das branquinhas, às 'que nós comia’ ou ‘que nós vendia", por isso a foto armado, pois não é nós que desta vez, vai ter o CPF cancelado.


Em “Lugar a Mesa”, com Lennon, você verá um homem negro que entende o seu lugar na sociedade. Na verdade, verá dois: L7 sabe bem, pois sofreu inúmeras blitz e constrangimentos pela polícia, por isso ele lançou o som “freio da Blazer” em 2021, que passou até no Fantástico. Em “Lugar a Mesa”, ele também é certeiro em indicar esse lugar sensível e perigoso que é ser um homem negro famoso em um país que lucrou muito com a escravidão. Lucrou tanto que foi uns dos últimos a aboli-la - essa última contribuição é minha mesmo. Lugar a mesa é uma afirmação, mas também um questionamento, até quando terei um lugar?


Bk sabe que alcançou o seu lugar e que sem os seus antepassados, que lutaram muito pela liberdade do nosso povo, jamais alcançaríamos esse lugar ao sol. Somos uma "continuação de um sonho”, não podemos esquecer, que somos o resultado de sangue, dor, alegria e suor. Somos a continuação dos sonhos dos nossos pais e nunca devemos deixar de sonhar. Acredito que esses sonhos sejam as estrelas cadentes que o Abebe fala em “Luzes”. Sei lá, só sei que essa música “Continuação de um Sonho”, terceira faixa do álbum, me dá forças para sonhar cada vez mais.


E tem amor, e digo mais, tem música à altura da famosa “ Amores, Vícios e Obsessões” do álbum “Castelo e Ruínas” (2016). É óbvio que aqui é diferente, mas também tem coisa semelhante, talvez, seja a forma do Bk amar, com intensidade e perdição. Um homem negro desarmado, na mão de uma mulher, e aquela fama de durão se perde na deliciosa confusão que é amar. Até Mano Brown já sofreu “Mal de Amor”, em “Boogie Naipe” (2016), que foi indicado ao “Grammy Latino de Melhor Álbum de Pop Contemporâneo Brasileiro” e que para mim é um clássico desde o seu lançamento, onde ele alerta o quanto pode ser violento amar, e para quem às vezes só tem esse referencial de vida, muita violência e pouco amor, amar pode ser tão embriagante quanto a “braba do jaca”.


Na faixa “Em nome do que sinto”, Bk em nome do amor, se apresenta como alguém que pode ser embriagado, drogado pelo mesmo. E se o sol fosse um coração, bombeando, e você lá deitado ouvindo a sinfonia do sangue sendo bombeado nos peitos de sua pretinha? Quem consegue manter a postura de bandido mau perante o amor. Amar é também a busca constante pelo amor do próximo. “Faz até a dor sumir da gente, atrás da superdosagem que vai deixar na onda pra sempre…”

Por isso, talvez, a décima música do álbum seja "música de amor nunca mais” com participação de Luccas Carlos, pois se em "Planos" - faixa do “Castelo e Ruínas” (2016), que também é da dupla Bk e Luccas Carlos, considerado por mim o “Bebeto e Romário” dos Love Song - eles falam dos planos que criamos quando estamos apaixonados. Em “música de amor nunca mais” a dupla avisa que é necessário manter os pés no chão, sem emoção, pois o sol está ali pronto para queimar as nossas asas. E quando estamos voando com cautela para não deixar as gotas do mar respingar ou o calor a cera derreter, temos que lidar com o fardo de poder voar, enquanto outros não. E “se eu não lembrar” - décima primeira faixa de ICARUS de Bk com participação de Marina Sena - do seu nome, de onde te conheci, de responder sua mensagem, e se o fato de eu voar me colocar distante daqueles que só sabem andar? Eu vou me perdoar, pois mereço me perder. Eu volto, mas quero aproveitar a liberdade que meu dom proporcionou, simples e direto, Abebe Bikila entende seu lugar, sabe das consequências e se apresenta como um dos maiores compositores da música brasileira, na minha humilde opinião.





Foto divulgação



E digo mais, Bk entende que seu lugar no centro das atenções, e que como rapper famoso apresenta na maioria das vezes, principalmente, para desconhecidos e fãs, um só lado do seu verdadeiro ser. Logo, ele avisa “Bebê, tu só vê minhas bênçãos, não vê meus pecados”, mas por aquela bunda ele aceita até ser “Poesia Acústica”, que em tese é reduzir todo trabalho dele a um projeto musical muito famoso que ele fez. Bk erra, se emociona, crítica e é criticado, não é perfeito, pois a perfeição não existe em seres humanos, nós somos formados por erros e acertos. E voltando lá atrás no fardo de voar e outros não, Abebe também reafirma nessa faixa a solidão em estar no topo, e também o papel da sua música como forma de se expressar e a falta de entendimento da indústria musical perante o seu trabalho e a forma de gerir o mesmo. Solidão que pode se estender a falta de convívio com amigos e familiares, pois a vida de um neguinho que ousa voar pode ser muito solitária, ainda mais com um sistema que corta asas de pretos todos os dias.


Estamos chegando ao final do nosso folclore, como em um livro ou em um conto mitológico grego, aquele lá, que já falamos aqui, que conta a história do filho de Dédalo, que voou demasiado perto do sol e por consequência se afogou no Mar de Egeu. Aquele lá, que não chega aos pés do nosso folclore latino-americano, “ICARUS” (2022), álbum de rap de Abebe Bikila (BK), que conta histórias que se confundem com as nossas. O Bikila tem esse dom. Em “Carta Aberta”, Bk coloca todas as questões do álbum na mesa, para afirmar que “entre passos e tropeços”, o importante é seguir traçando seu caminhos. É literalmente uma carta aberta de Bk para todos aqueles que buscam alcançar um lugar, para que não cheguem tão perto do sol, pois a queda é eminente e drástica.


Se é ego ou ambição, se é amor ou é paixão, tantas perguntas que só são respondidas com o tempo. Continue, entre passos e tropeços, continue a ser a continuação do sonho de alguém. Siga sua intuição, pois o caminho é tortuoso, difícil, mas essas dificuldades que nos fortalecem para vencer outros obstáculos que continuaram a surgir no caminho.


Como em “ Loka (Parte II)” de Racionais Mc’s todo preto batalhador “só quer um terreno no mato só seu, sem luxo, descalço, nadar num riacho, sem fome, pegando as frutas no cacho”, e que toda essa batalha é para que um dia haja um confortável descanso, Bk quer se ver no futuro "amanhecendo na casa de campo, ouvindo Djavan”, e pede que essa ideia de Vida Loka não nos domine, para que gente não perca nossa vida na próxima esquina. “Amanhecer” de Bk, última música do álbum, é o retrato de um bom malandro. Que entende que a vida é uma sequência de escolhas, posturas e restrições. Que o fato de estar vivo, para nós, já é algo para se comemorar. Que todo desafiador do sistema, como um soldado em guerra, precisa em algum momento deixar sua peça no canto para finalmente descansar em paz.


ICARUS de BK, talvez seja o seu melhor álbum até aqui, a maturidade de Abebe em reinterpretar um mito grego, em uma versão que dialoga estreitamente com nossa vivência, digo mais, que dialoga com outros clássicos do rap brasileiro, como Racionais Mc’s, ao alimentar o imaginário de todos os perigos que passam um homem negro, que neste século, ainda com muita dificuldade, consegue um lugar sensível a mesa e não fica comendo somente as sobras dos patrões. Se em “Castelos e Ruínas” ( 2016), Bk ainda buscava entender sobre o sucesso e o fracasso, o bem e o mal, amor e o ódio, em “ICARUS” ele já é tem mais experiência, e como Dédalo tenta conscientizar seus iguais para que os mesmos não voem tão perto do sol.


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