top of page

Dois passos para trás e um para frente

Por Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho e Iago Menezes de Souza





Nós podemos dizer: sobrevivemos... Não sem cicatrizes, mas chegamos até aqui. Foram quatro longos anos de governo Bolsonaro. Resistimos aos ardis, maquinações e golpes diários. Suportamos um cotidiano de angústia e medo, sentimentos que foram a moeda corrente desses tempos. De um governo cujo propósito reacionário era reverter as conquistas das lutas sociais que levaram à redemocratização, a Constituição de 1988 e a cidadania alcançada durante os governos social-liberais da nova república.

Foram 4 anos de ataques constantes à constituição, às instituições republicanas, aos direitos civis e sociais, especialmente à saúde, educação, cultura e segurança, ao meio ambiente, aos povos originários, às mulheres, aos LGBTQIA+, aos trabalhadores e às classes populares. Bolsonaro foi, essencialmente, um governo de terra arrasada. Cujo propósito político maior era extinguir a cidadania conformada pela lutas sociais desde a redemocratização, em conjunto com uma agressiva política econômica de viés neoliberal e entreguista, com a assinatura de Paulo Guedes, o Ministro da Economia.

O genocídio causado pelas ações criminosas do governo durante a crise sanitária da pandemia global de Covid-19, demonstra isso claramente: o Brasil registrou 11% do total de óbitos por Covid-19 no mundo, resultado que colocou o país como o 2º país com maior número de vítimas. Segundo o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental, do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Além das quase 700 mil mortes pela COVID-19, a pandemia exacerbou o quadro de deterioração da saúde, na contramão de melhorias substantivas que estavam em curso no país, com base na Constituição de 1998, a qual definiu a saúde como direito universal e possibilitou a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) para a sua efetivação”.

Na esfera pública, Bolsonaro vendia a imagem de um governante “heróico e patriota”, o “capitão do povo”, mas seu governo foi um desastre econômico e social para a maioria do povo brasileiro e um dos mais entreguistas da história. As milícias digitais de Bolsonaro utilizaram de propaganda, notícias fraudulentas e desinformação, veiculadas especialmente nas redes sociais, como instrumentos camuflagem dos objetivos sócio-econômicos centrais do governo sob o manto do patriotismo e da moralidade: impedir o desenvolvimento nacional e garantir o lucro do rentismo internacional. Como o próprio Bolsonaro confirmou, aos prantos, em sua última live como presidente: conseguiu atrasar 4 anos o Brasil.



Economia de terra arrasada

No campo econômico, Paulo Guedes, com aval de Bolsonaro, acelerou ao máximo as privatizações de empresas públicas, especialmente aquelas de cunho estratégico. Privatizaram a BR Distribuidora, cujo reflexo os brasileiros sentiram no bolso, com o encarecimento do preço dos combustíveis. Segundo Andreza de Oliveira, do Sindipetro, a BR Distribuidora hoje vai até onde o lucro é garantido, tornando-se seletiva e priorizando as grandes cidades, não se interessando por locais de difícil acesso, principalmente no Norte e no Nordeste.

O governo Bolsonaro também privatizou a Eletrobrás esse ano. Foi mais uma estatal do setor estratégico da energia cuja atividade influencia diretamente na vida do povo brasileiro. Para se ter uma ideia, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, metade das famílias considera a conta de luz um dos maiores gastos mensais no orçamento familiar. O Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) estima que a privatização da Eletrobras possa encarecer as tarifas em 25% nos próximos anos.

No contexto do governo Lula, é urgente reverter a venda da Eletrobrás para garantir uma política de preços e um mercado energético sustentável para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. Para Ikaro Chaves, da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema (Aesel) e do GT de Transição do governo do Presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reverter a privatização é “necessário, possível e urgente”.

Outra política que deve ser revertida é o processo de desmonte da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), empresa pública responsável pelos estoques estratégicos de alimentos. Segundo a ativista e pesquisadora Eliana Leite, “das 92 unidades armazenadoras cerca de 27 foram fechadas e se em 2012 os recursos movimentados pela empresa totalizaram R$ 600 milhões, em 2020 este montante não passou de R$ 15 milhões”.

O plano de recolonização seguiu afinado com os interesses dos mais ricos, nesse caso, os interesses estrangeiros ou também chamados de interesses do “mercado”. Bolsonaro garantiu a maior remessa de lucros para acionistas estrangeiros da história da Petrobrás através da manutenção da política de preços definida no governo Temer (MDB) e as indicações para a Presidência da empresa. Tudo sob pena de inflação, do empobrecimento e da fome dos brasileiros, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia global e a guerra na Ucrânia.

Na política fiscal, em consonância com os interesses financeiros privados, a decisão do Copom em manter a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75%, tornou o Brasil o país com as maiores taxas de juros reais do mundo.



Jesus armado


Os efeitos da política econômica neoliberal de Bolso-Guedes já seriam muito deletérios para o país sozinhos, mas vieram em conjunto com a consolidação de um fenômeno social que mostrou capilaridade na sociedade brasileira para além do governo: o bolsonarismo. Por isso, a luta política necessária para o período não é somente aquela empreendida para mudar a política econômica do governo, mas aquela necessária às disputas específicas da hegemonia na esfera pública, na sociedade civil e nos campos sociais.

Muito desse ideário do “patriota, cristão e conservador” propalado bolsonarismo é também produto de uma americanização, pois vem da cultura evangélica estadunidense, a exemplo do discurso armamentista que associa a figura do “cristão branco” a um comportamento autoritário e violento.

A historiadora Kristin Kobes du Mez, em seu livro “Jesus e John Wayne: como o evangelho foi cooptado por movimentos culturais e políticos”, apresenta que “John Wayne simboliza o homem viril que encanta e subjuga as mulheres. A figura do ‘macho como Deus o criou’, para o qual não resta outro lugar a quem se assumir LGBTQIA+ a não ser a não existência. Também não pode haver feministas, apenas mulheres que se derretem diante de um homem viril, com arma na mão para protegê-las e exigir-lhes submissão e sexo”.

Segundo Caio Liudvik, da Revista Cult, quando Nelson Rockefeller foi enviado por Nixon para América Latina, em 1967, com o propósito de investigar a Igreja Católica e a “ameaça comunista”, seu relatório sugeriu que igrejas evangélicas, financiadas por órgão do estado americano, como a CIA, fossem disseminadas para incutir nos fiéis uma religiosidade conservadora.

A ideologia, produto do desenvolvimento histórico do protestantismo branco nos EUA, promovida por igrejas evangélicas brasileiras e propagada pelo bolsonarismo, está diretamente associada a interesses econômicos nacionais e internacionais. Ao facilitar a compra de armas através dos grupos de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CAC’s) e realizar outras medidas de flexibilização, o governo contemplou as reivindicações da Bancada da Bala, favorecendo economicamente o comércio e a indústria de armas.

Na questão das armas, o discurso bolsonarista justifica a apologia da vingança e do uso ilegal da violência na ação do indivíduo “moralmente superior”, o “cidadão de bem”, alguém que possui uma legitimidade carismática, para além da legalidade racionalizada. Toda a construção simbólica do discurso bolsonarista está centrada no binômio violência e moralidade, o primeiro identificado como ato de liberdade necessário para defesa dos valores estabelecidos pela moral. O principal meio de garantir os “valores conservadores”, defender a “liberdade”, o “cristianismo”, a “tradição” ou “família”, seria a utilização da ação violenta com arma de fogo por parte do indivíduo moralmente superior, à revelia da lei, considerada “ilegítima”.

As armas de fogo que foram vendidas e circulam pelo território nacional, obviamente, não estão somente nas mãos das “pessoas de bem” em prol de defender a família e os bons costumes. Do contrário, tem abastecido o arsenal do crime organizado, de garimpeiros e das milícias. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Sou da Paz, de 2022, mostrou que em todo o estado de São Paulo são desviadas, em média, nove armas por dia: 46,2% das armas foram levadas de residências, 22% das vias públicas, e 14,4% de empresas de vigilância.



Big Data e extrema direita


A base de informações que alimentou as campanhas de Donald Trump (EUA), do Brexit (saída da Grã-Bretanha da União Européia) e de Jair Bolsonaro foi conformada pela captura de dados pessoais de milhares de usuários do Facebook, vendidos para a Cambridge Analytica. Ou seja, é importante destacar que o bolsonarismo, mesmo em sua fase mais recente, de maior descolamento de sua base militante com a realidade, é produto de um laboratório empreendido pela extrema direita internacional.


Desde o princípio, a propaganda bolsanarista sempre teve como método a utilização da tecnologia Big Data, sob a direção de técnicos e empresas com experiência internacional. Utilizou as informações altamente detalhadas sobre os dados de usuários para direcionar a divulgação de ideias racistas, misóginas, homofóbicas, transfóbicas, anticomunistas e antiliberais, e promover o ódio à pobreza, o estímulo do medo ao outro, o discurso de ódio e teorias conspiratórias, a partir de notícias fraudulentas, distorcidas e mentirosas, com o propósito manifesto de causar uma dissonância cognitiva coletiva.

O bolsonarismo funciona como um “macartismo tabajara”, um QAnon dos trópicos, que é essencialmente um “frankenstein”: dá vida a fragmentos ideológicos nacionais e/ou transplantados, ressignificados na realidade brasileira e no novo contexto tecnológico, e propagandeados de maneira distorcida e fraudulenta. Uma costura de elementos próprios da cultura da classe dominante, da pequena burguesia nacional e de referências transplantadas, como a ideologia da classe média branca evangélica estadunidense, ideologias neoliberais, neofascistas e teorias conspiratórias.


Por conta do repertório caótico e multifacetado, o bolsonarismo se prolifera em todos os segmentos de classe da sociedade brasileira, mas tem maior aderência entre elementos mais ressentidos, fanáticos, ignorantes e perversos. Porém, os contornos específicos desse fenômeno decorrem do contexto sociotécnico da contemporaneidade, da difusão da tecnologia digital e das redes sociais, fazendo surgir o que o professor da UERJ, João Cezar de Castro Rocha, chama de “midiosfera extremista”. Um sistema de comunicação que se baseia em desinformação e em teorias conspiratórias para gerar narrativas polarizadoras, composto por cinco elementos: corrente de Whatsapp, canais no Youtube, redes sociais em geral, aplicativos e a mídia amiga (como a Jovem Pan e a Rede Record, por exemplo).


As informações vazadas sobre os usuários de redes sociais permitiram a extrema direita criar uma propaganda direcionada para públicos muito específicos, aproveitando a tendência das redes sociais em criar bolhas ideológicas e de informação a partir da nucleação dos perfis em grupos de afinidade e esvaziamento do debate público mais amplo no conjunto da sociedade. Ao serem englobados pela midiosfera extremista, os indivíduos passam a se (des)informar exclusivamente por lá, rejeitando qualquer informação que venha de outra instância, resultando numa dissonância cognitiva coletiva, como apresenta o professor Rocha.


As redes sociais também se tornaram uma ferramenta política de pastores de igrejas evangélicas, que, em alguns casos, buscam apenas enriquecimento e poder, para isso procuram manter os fiéis alienados para melhor serem explorados. Não por acaso, a Bancada da Bíblia, composta de religiosos que abandonaram os cultos para disputar o poder, ingressou ativamente nas fileiras do bolsonarismo e tornou-se um celeiro de líderes para o movimento.


Até o neonazismo teve um incremento exponencial durante o governo Bolsonaro. Para se ter uma ideia, entre 2019 e 2021, segundo a antropóloga Adriana Dias, houve um crescimento de 270,6% de células neonazistas no Brasil. O atentado em Aracruz é o resultado trágico das consequências da disseminação de ideias nazistas, do discurso de ódio e da banalização da violência pelo culto às armas.



Ataques à cultura e censura


Segundo o levantamento do grupo Mobile (Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística), durante os três primeiros anos do governo Bolsonaro foram registrados ao menos 211 casos de censura, desmonte institucional do setor cultural e autoritarismo contra as iniciativas culturais. A maior parte das ocorrências totais de ações contra a cultura, 192 casos, partiram do Poder Executivo. Durante o governo Bolsonaro, o Ministério da Cultura (MinC) deixou de existir e se tornou uma secretaria subordinada ao recém-criado Ministério da Cidadania, que foi comandado pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS).


Dentre todos os absurdos que marcaram a gestão Bolsonaro na área de cultural, de extinção do ministério a criação de uma pasta que teve 6 secretários diferentes em 4 anos, gostariamos de destacar o que nos pareceu mais grave: quando Roberto Alvim, usou trechos de um discurso do ministro de propaganda na Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, para divulgar o novo programa do governo de Jair Bolsonaro para a Cultura, o Prêmio Nacional das Artes.


A Lei Rouanet, vale lembrar, é um mecanismo de parceria público-privado, realizada no sentido do espírito liberal da Constituição de 1988, cujo propósito visa criar mecanismos de isenção fiscal como forma de financiamento de projetos e atividades culturais, fomentando a indústria do entretenimento e da cultura. Bolsonaro e seus aliados, que atacam diariamente projetos financiados a partir da Lei Rouanet, usam o expediente moralista para promover segmentos da indústria cultural que não tem tradição e/ou não utilizam a lei como principal forma principal de financiamento.


Por exemplo, uma parcela dos cantores sertanejos, especialmente os mais ricos, como Gusttavo Lima, sempre optaram por contratos mais frouxos com prefeituras, onde não precisam do detalhamento orçamentário que a lei exige e não há limites para seus cachês pessoais. No início de 2022, um escândalo de corrupção, ainda sem um desfecho, revelou o envolvimento do cantor sertanejo Gusttavo Lima no pagamento de 1 milhão de reais por show pela Prefeitura de Magé (RJ).



Passou a boiada no meio ambiente


Eleito em 2018, Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto e as promessas de mudanças nas políticas ambientais começaram a ser colocadas em prática. O ISA (Instituto Socioambiental) publicou, em janeiro de 2019, uma análise de medidas provisórias (MPs) e decretos implementados nos primeiros dias da gestão de Ricardo Salles e constatou que foi produzida, no meio ambiente, a mais drástica reestruturação de órgãos governamentais desde o governo Collor (1990-1992). Outro movimento a ser ressaltado é a transferência do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Agricultura, o que vem dificultando o combate aos crimes ambientais.


O Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental, do Presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva: “O governo Bolsonaro promoveu um desmantelamento deliberado e ilegal das políticas públicas, marcos regulatórios, espaços de controle e participação social, e órgãos e instituições públicas ligadas à preservação das florestas, da biodiversidade, do patrimônio genético e da agenda climática e ambiental”.


A política agressiva contra o meio ambiente foi coordenada com os ataques sistemáticos aos povos originários: “As comunidades e povos tradicionais foram perseguidos ou esquecidos, em total desconhecimento acerca de sua importância para a proteção da biodiversidade brasileira e a atração de financiamentos e doações internacionais com foco em sustentabilidade ambiental e social”, prossegue o relatório, que destaca a necessidade urgente de mudança na política indígena e ambiental.


O desaparelhamento das instituições se torna ainda mais preocupante se considerado que, segundo a análise do Instituto Socioambiental (ISA), os índices de desmatamento em Áreas Protegidas durante o Governo Bolsonaro representou o maior retrocesso ambiental do século, com um aumento de 94% no desmatamento, se comparado com os anos anteriores da gestão.



A esperança limitada


Nos últimos anos, Lula tornou-se uma esperança para derrotar Bolsonaro, que, àquela altura, converteu o estado brasileiro um instrumento direto de seus interesses próprios, de seus financiadores e aliados. Porém, a estratégica e a tática necessárias para o governo Lula, em 2023, devem ser completamente distintas daquelas construídas no contexto das candidaturas de Lula em momentos históricos passados, ou mesmo no contexto dos governos de Lula de 2002 ou 2006.


O governo Lula é uma esperança para retomar as conquistas sociais estabelecidas durante a abertura política e a nova república. Retomar o espírito da Constituição de 88, o fortalecimento do real, o crescimento econômico, a valorização do salário mínimo, os programas sociais e o fim da fome. Uma esperança limitada de retomar o curso da história do ponto onde Bolsonaro nos desviou, dar um passo para frente depois de ter dado dois para trás. Afinal, Bolsonaro manteve ataques constantes as instituições com o propósito de facilitar a desestruturação da cidadania estabelecida no contexto pré-golpe de 2016, retirando, limitando ou inviabilizando o acesso à direitos civis, políticos e sociais, enquanto na economia Paulo Guedes executava o plano econômico que levou o Brasil novamente ao mapa da fome.


Para conformar um governo de unidade nacional, Lula compôs chapa com o ex-Governador de São Paulo pelo PSDB, Geraldo Alckmin, agora filiado ao PSB, como Vice-Presidente. A tática eleitoral da candidatura de Lula foi a da frente ampla, congregando amplos setores políticos, como socialistas, social-democratas, nacional-desenvolvimentistas e liberais democráticos, em torno da retomada de um governo de cunho social-liberal.


Porém, na eleição, tudo estava colocado para a vitória de Bolsonaro. Primeiro que Bolsonaro disputava a reeleição, tendo o seu governo e a máquina pública como plataformas eleitorais. Além disso, sua candidatura foi maciçamente patrocinada por doações privadas milionárias, dos 108,2 milhões de reais recebidos pela campanha, 88,2 milhões foram repassados por doações individuais .

A disparidade entre as duas campanhas podia ser sentida de maneira direta na oferta de publicidade na internet, nas propagandas patrocinadas no YouTube e demais redes, conjugadas as ferramentas de disparo automático e utilização de robôs que deram um volume publicitário imenso a Bolsonaro na internet. A campanha de Lula, que também foi uma campanha milionária, seguiu um curso mais orgânico com a participação e apoio voluntário de uma parte significativa dos apoiadores.


Os debates na TV aberta foram o reflexo grotesco de umas das campanhas mais “sujas” da história do Brasil, marcada por ataques pessoais, acusações e ofensas. Bolsonaro conseguiu fazer terra arrasada do debate público nacional, reduzindo a pauta a notícias fraudulentas, mentiras, calúnias e teorias conspiratórias.


Mesmo assim, Lula venceu. Contra todas as possibilidades, como o uso ilegal das instituições, como o uso da Polícia Rodoviária Federal para bloqueio de estradas, a compra de votos com o Auxílio Brasil, a liberação de crédito consignado e todas as prevaricações que Bolsonaro utilizou como expediente. Lula venceu, nós vencemos, os trabalhadores brasileiros venceram!



E agora?


A vitória de Lula foi suficiente para retirar Bolsonaro do controle imediato do Estado brasileiro, interrompendo sua iniciativa golpista. Isolado, não conseguiu até o momento superar o fracasso eleitoral e permanece silenciado pela expressão do desejo das urnas. Seria prematuro especular sobre o futuro de Bolsonaro como líder de oposição, mas o fato é que, pela primeira vez em 30 anos, depois de uma vida pública marcada por polêmicas e suspeitas, estará sem a cobertura do foro privilegiado.


O último anúncio de Bolsonaro é que não passará a faixa presidencial e irá tirar férias na Flórida, nos EUA, no condomínio Mar-a-Lago, em Palm Beach, que abriga um resort de luxo e cujo proprietário é o ex-presidente Donald Trump. O que pode ser interpretado tanto como uma ação de refúgio, com relação a perseguição judicial que possa ocorrer da investigação de seus crimes, quanto um movimento de reorganização em conjunto com o núcleo Trump-Banon da internacional neofascista.

O bolsonarismo, entretanto, dá demonstrações de não só continuará a ser um fenômeno político-social preocupante, como indica que o caráter fanático e reacionário tem potencial para converter parte de suas fileiras ao terrorismo. Recentemente, na véspera de Natal, a prisão do terrorista George Washington de Oliveira Sousa, que colocou bombas em Brasília com o propósito de “instaurar o caos”, para levar a decretação de estado de sítio e “provocar a intervenção das Forças Armadas”; e a afirmação dos policiais de que plano foi realizado no acampamento bolsonarista em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília; dão uma clara indicação daquilo que o bolsonarismo pode se tornar.

A vitória eleitoral de alguns dos principais quadros do bolsonarismo parlamentar deve garantir uma sobrevida ao movimento, seja pela manutenção de sua capilarização financiada pelos aparatos parlamentares ou pelas eventuais disputas sucessórias que ocorrerão no seu interior. Mas o que será do bolsonarismo sem o Bolsonaro, com um Bolsonaro derrotado ou um Bolsonaro de oposição, ainda não sabemos. O envolvimento dos bolsonaristas com o recente caso de terrosimo irá servir como elemento jurídico importante para desarticulação (ao menos parte) do movimento, mas na verdade tudo dependerá de como a questão será conduzida na justiça, e como a sociedade civil e a opinião pública receberão essas ações.

Porém, importante destacar, o neofascismo não é um fenômeno nacional, apesar do discurso nacionalista. O neofascismo corresponde a uma articulação geopolítica internacional para exercer uma hegemonia global, e se tornou a ideologia oficiosa não só de partidos, mas de empresas, estados, órgão de estados, forças armadas e polícias, de diferentes nações no planeta. O bolsonarismo é um movimento neofascista brasileiro que também está sob a influência financeira e ideológica de grupos estrangeiros, especialmente do trumpismo.


A eleição de Lula renovou as esperanças dos militantes mais céticos, mas essa esperança não pode cegar-nos para os imensos desafios pela frente. O governo Lula não será uma frente popular, e sobre ele não se aplicam teorias pré-fabricadas dos revolucionários europeus do início do século XX. A conjuntura que se abre exigirá um esforço estratégico crescente e um profundo trabalho de base no movimento social, ainda mais numa sociedade onde a propaganda é tão acessível e ocupa grande parte da atenção das massas, por intermédio dos aparelhos celulares.

O governo Lula é um governo de unidade nacional, cuja potencialidade principal é permitir salvar as estatais estratégicas da pilhagem privatista, retomar a industrialização, retomar o desenvolvimento e, principalmente, restabelecer o contexto da cidadania pré-golpe de 2016. Isso pode possibilitar que partidos e movimentos sociais tenham condições para retomar o trabalho de base junto a trabalhadores, estudantes e camponeses, por um programa popular. Qualquer avanço real, no sentido da conquista de direitos, necessitará de uma mudança na correlação de forças e a reorganização do movimento de massas dos trabalhadores. As desigualdades sociais, o racismo, as desigualdades de gênero, a destruição ambiental, são cenários que não serão alterados com a mera derrota eleitoral de Bolsonaro.

Neste sentido, o espírito da luta política nos próximos anos precisa, mais do que nunca, da máxima do pensamento de Gramsci: "pessimismo da razão, otimismo da vontade". Consideramos fundamental o pronto apoio ao governo Lula, garantindo com nossa militância política a legitimidade e a estabilidade necessárias para a conclusão do mandato. Além das questões do governo, o campo progressista precisa dedicar igual empenho e atenção ao trabalho de base junto aos movimentos sociais. Será essa politização no “chão de fábrica” que definirá os rumos das lutas político-sociais dos próximos anos.

89 visualizações

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page