Decifra-me ou Devoro-te: RARO - VINTE E CINCO (SCORCESSE)
- 2N

- 11 de set.
- 5 min de leitura
A análise revela uma obra profunda que captura o cotidiano da Baixada Fluminense através de uma estética crua e potente. A música e o clipe, repletos de simbolismo e metáforas, expressam a luta, a dor e a resiliência de um jovem artista que se recusa a ser definido pelas imposições do seu ambiente.
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Salve Melancólico Poeta!
O brado profundo de sua alma foi ouvido.
Tua voz ecoa nas entranhas desta cidade.
Eis-me aqui! ouço teu sombrio lamento!
O Vídeo-clipe de RARO, VINTE E CINCO (SCORSESE) lançado pelo selo CRIS Records, compõe a faixa de abertura do EP "Pivete", que é, sem dúvidas, uma preciosidade estética.
Em meio ao caos e a vida acelerada da metrópole maravilhosa, ouvir essa música foi uma cronoquebra.
O trabalho de vídeo de Guilherme Leopoldo é bastante marcante. Seus takes mostram cenas da vida cotidiana – lavar o rosto de manhã, fumar um cigarro, sentar-se na sala – em um cenário cotidiano – uma casa de família, a capa no sofá, o quadro na parede – da Baixada – muros pichados, arame farpado, becos, fiação exposta.
O preto e branco, característico de muitos artistas do Under, se faz presente, aprofundando o cotidiano ao mesmo tempo que o afasta. Talvez o cotidiano da Baixada seja surreal e esteja dado nesse limbo paradoxal, vívido, mas sem cor; potente, mas esvaziado.
Começando pelo beat de Delun4. A música se inicia com um som como um rádio sendo sintonizado até encontrar a frequência certa. O sample instrumental loopado que acompanhará toda a obra vem em um crescendo formando a base da música que faz imergir na atmosfera desta criação artística.
A voz do Poeta se manifesta, “RARO”, brada, e uma lírica pesada nos é apresentada na forma de imagens poéticas profundas que são ao mesmo tempo um lamento, um protesto e uma afirmação de si no mundo.
E a fama da área procede
Aqui, ele começa falando de onde é, São João de Meriti, Vila Norma, mas podendo ser estendido à Baixada Cruel como um todo. A fama procede mesmo, um espaço marcado pela violência e pelo subdesenvolvimento planejado pelo Estado, mas…
Fruto do meio fazendo mais do que deve Matando mais do que um leão por dia
As pessoas de lá lutam, e ele, o Poeta, também luta, com muita garra.
“PODER SCORSESE” é uma referência ao diretor de cinema, Martin Scorsese, que tem uma filmografia ímpar, mas uma história de vida que faz refletir: nasceu e cresceu em um bairro marcado pela violência e pela ascensão da máfia e que, mesmo diante dessas condições, virou um dos maiores diretores da história. Um elemento tanto anafórico quanto catafórico, afinal…
E o fardo de ser prodígio De onde nos chamam de bandido Roubo tua atenção sem vender pino
Ele é um prodígio e foge do que o meio o impõe, quebrando assim a lógica determinística do pensamento positivista; ele, um jovem negro da baixada, ganha a mídia (a atenção) não pela imagem que tanto é vendida sobre os corpos pretos e territorializados: favelado é traficante; mas pelo seu talento e suas potências.
Isso é tão normal pra mim quanto o ar que respiro
Aqui, dentre a arte e o engenho, ele demarca sua posição pelo gênio: é algo inato a ele, faz parte de seu ser, não poderia ser diferente.
Indício do vício Desde de menorzin’ exercendo meu ofício E eu sou muito mais que isso!
E reforça sua revindicação: dentre o vício, outro caminho imputado a ele pelo meio, ele exerce seu ofício e reivindica um futuro outro; ele é muito maior, ele tem o dom da criação; ele é capaz de fábricar uma nova realidade.
Sou o que cria não o que imita!
Este verso é quase como um mantra que reflete não só a visão do Poeta (que literalmente significa aquele que cria), mas a perspectiva do Under e sua luta contra a REprodução, marca de nossa era capitalista.
Me diz! Como falar que nunca parti Partido em tantos pedaços pra reconstruir Visando o melhor dos caminhos sem saber pra onde ir
O Eu fragmentado pela (Pós)Modernidade, com tamanho poder criativo, se encontra perdido numa encruzilhada das Moiras para reconstruir um futuro despedaçado.
Menor sonhador, acostumado com a dor Predestinado desde o berço a lidar com amor Fazer o que faz por amor Bem feito! Mal sabia que o mundo veio com defeito
O Sonhar é mobilizado e se compõe com a Dor. Uma antítese que incorpora a rasteira do mundo defeituoso, uma vez que seu Destino é manejar o Amor, é Fazer o que Ama, mas muitas vezes isso escapa aos dedos pelas vicissitudes do Sistema Moedor de Sonhos.
Seu doutor, que mal tem sentir tudo o que eu sinto? Será que sou só um protótipo desse caos em que vivo? Nem sempre só tô bem, mas só tô sim Entre pensamentos e lamentos, sobrevivo em crise
Agora, o médico surge, tropo caro ao rap, o do papel catártico, disposto nessa estrofe, traz consigo a questão do sentimentos desse jovem com o dom da criação que se encontra refletindo sobre a vida em crise.
Sociedade nunca foi sinônimo de liberdade Predominantemente só maldade
O pessimismo toma conta, a liberdade não existe nesta sociedade que, traçando paralelos com Rousseau, corrompe as pessoas.
Saudade corrói mais do que criolina Na minha idade E olha que eu nem cheguei nos trinta Vida Maldita!
Saudade. Não é a falta do que se tinha e se perdeu (Nostalgia) mas o sentimento que se tem diante de um futuro não se pode mais realizar, é um sentimento comum em terras fluminenses onde jovens negros são assassinados diariamente e ela corrói…
Só mais um dia Dia de vida, Mas que ironia
Tudo isso se passa só em um dia. São feixes que aparecem para logo após sumir. É um grande fluxo de consciência em que o Poeta apresenta um postura esperançosa e ao mesmo decai em pessimismo. São os pensamentos de anos de uma vida passados em um mísero dia.
Se, por um lado, a música faz parar e desacelera o mundo rápido, por outro, o conteúdo de sua letra é paradoxalmente apenas um dia de vida que poderia ser uma vida inteira.
PIVETE!
Nome do EP posto ao final da música fechando uma música que certamente não pode ser esgotada por essa breve análise. Uma riqueza de poesia.
2N
Han, RARO
E a fama da área procede
Fruto do meio fazendo mais do que deve
Matando mais do que um leão por dia
Só quem ‘tá de frente da linha
PODER SCORSESE
E o fardo de ser prodígio
De onde nos chamam de bandido
Roubo tua atenção sem vender pino
Foda-se teu hipe, teus kit
Isso é tão normal pra mim quanto o ar que respiro
Ei, indício do vício
Desde de menorzin’ exercendo meu ofício
E eu sou muito mais que isso!
han
Eu sou muito mais que isso!
Sou o que cria, não o que imita
Repita
Sou o que cria, não o que imita
Correndo na bota de todos, prejuízo
E não adianta temer pra matar ou pra morrer
han
Me diz! Como falar que nunca parti
Partido em tantos pedaços pra reconstruir
Visando o melhor dos caminhos sem saber pra onde ir
Han
Menor sonhador, acostumado com a dor
Predestinado desde o berço a lidar com amor
Fazer o que faz por amor
Bem feito! Mal sabia que o mundo veio com defeito
Han
Seu doutor, que mal tem sentir tudo o que eu sinto?
Será que sou só um protótipo desse caos em que vivo?
Nem sempre só tô bem, mas só tô sim
Entre pensamentos e lamentos, sobrevivo em crise
Han
Sociedade nunca foi sinônimo de liberdade
Predominantemente só maldade
Hey
Só maldade!
Saudade corrói mais do que criolina
Na minha idade
E olha que eu nem cheguei nos trinta
Vida maldita
Vários reflexo não de bolinha
Uma pra baixo, duas pra cima
Desci pra pista, só mais um dia
Dia de vida, mas que ironia
Hei
Han
Só mais um dia
Dia de vida,
Mas que ironia
Hey
Pivete!








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