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Crise climática: uma questão de gênero?

Atualizado: 9 de jan. de 2023

Por Leila Maribondo Barboza

REVISTA MENÓ | 5° edição | Meio Ambiente







Estamos em dezembro de 2022, e sabemos que o debate sobre a crise climática não é de hoje. Para além de ser um problema recente, os desdobramentos decorrentes das mudanças do clima condicionam a vida no planeta e possuem múltiplas dimensões. A insegurança alimentar e hídrica, os sistemas alimentares, as desigualdades de gêneros e raça/cor e a divisão social, sexual e racial do trabalho são alguns dos fatores que se fazem necessários identificar para compreender de que maneira o capitalismo é tensionado nos diferentes relevos sociais, culturais, políticos e econômicos, caracterizando suas especificidades.

Os impactos climáticos aprofundam as desigualdades de gêneros enraizadas historicamente, as quais se agravaram com a pandemia da COVID-19. Dados da ONUMulheres sinalizam que “as mulheres e meninas enfrentam maiores obstáculos à adaptação ao clima, repercussões econômicas desproporcionais, aumento dos cuidados não remunerados e do trabalho doméstico, e maior risco de violência devido aos impactos agravantes da crise”. Estudos apontam que são as mulheres que compõem a maioria da força de trabalho na produção mundial de alimentos, ao passo que apenas a minoria tem acesso à terra, ou seja, aos meios de produção. Em situações de desastres ecológicos, também são as mulheres as mais atingidas.


Incêndio florestal. Foto: VanderWolf Images / Shutterstock.com


Segundo o II VIGISAN (Rede PENSSAN), em tempos de crise socioambiental, “a fome deve ser enfrentada em sua multifatorialidade”, substanciada com ações que se voltem para as mudanças dos sistemas alimentares que coadunem com a redução dos impactos sobre as mudanças climáticas. Assim, sendo de suma importância a construção de uma economia sustentável, pautada no cuidado com a saúde pública, na justiça e equidade social. O II VIGISAN (Rede PENSSAN) revela ainda que, em 2021/2022, variáveis como raça/cor e gênero foram determinantes no espectro das desigualdades. Os acessos à saúde, educação e outros bens e serviços apresentavam-se reduzidos quando analisadas as famílias chefiadas por mulheres: “mais de 6 em cada 10 (63,0%) domicílios com responsáveis do sexo feminino estavam em algum nível de IA [insegurança alimentar]. Destes, 18,8% em situação de fome” (II VIGISAN/ Rede PENSSAN). Em compasso à desigualdade de gênero, o estudo revela que 6 de cada 10 domicílios cujos responsáveis se identificavam como pretos ou pardos viviam em algum grau de insegurança alimentar.


A inflação dos preços dos alimentos e o desmonte de políticas públicas adensam o crescimento da pobreza e acentuam ainda mais as desigualdades. A fome tem endereço, e afeta, sobretudo, grupos historicamente colonizados. Estudos apontam que a população negra é a mais prejudicada quando o assunto é segurança alimentar e hídrica. A fome atinge mais as famílias que “têm mulheres como responsáveis e/ou aquelas em que a pessoa de referência (chefe) se denomina de cor preta ou parda”, analisa II VIGISAN (Rede PENSSAN)


Agente de saúde distribui máscaras na periferia do Recife (PE) (Agência Câmara de Notícias)


Dados da pesquisa realizada por Walter Belik (Instituto Ibirapitanga/ IMAFLORA/ Instituto Clima e Sociedade) revelam que 16,5 milhões de famílias (24%) possuem renda mensal de até 2 salários mínimos, sendo a base da pirâmide social, enquanto 2,7% possuem renda mental per capita acima de 25 salários mínimo. A desigualdade se reproduz quando o assunto é acesso à alimentação. “Nas famílias que ganham até 2 salários mínimos, o gasto médio mensal com alimentação por pessoa — dentro e fora de casa1 — é de R$120,86. Já nas famílias acima de 25 salários mínimos, para cada pessoa são gastos R$671,45 por mês”, afirma estudo. Proporcionalmente, o desvelar também é desigual e ainda mais grave no que tange do impacto da alimentação no orçamento das famílias: “enquanto nas mais ricas o gasto representa só 5% da renda total, entre as famílias mais pobres a comida tem um peso enorme: 26%” (Walter Belik/ Instituto Ibirapitanga/ IMAFLORA/ Instituto Clima e Sociedade)


Índices do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe revelam que as mulheres são as mais propensas a se encontrarem em situação de pobreza, sobretudo quando o lar tem a presença de crianças, perfazendo um quadro de feminização da pobreza. Segundo dados do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticos (COPPE/ UFRJ), são as mulheres que constituem a maioria da população mundial pobre, sendo mais vulneráveis no contexto das mudanças climáticas. O acesso desigual de mulheres aos recursos, sobretudo em zonas rurais, perfaz uma trama desproporcional na participação e tomada de decisões em todos os âmbitos. Isto é, não se pode combater a pobreza, sem combater a desigualdade de gênero, e em igual passo, aos impactos das mudanças climáticas. Em comum perspectiva, o Acordo de Paris (artigos 5º, 231º e 232º, 2015) indica, inclusive, que não se pode construir políticas climáticas sem considerar os fatores humanos, e atenta para a participação popular e as necessidades específicas de mulheres e povos originários.



Mulheres trabalhando com cultivos


É conhecida a centralidade das mulheres na luta pela preservação da vida e redução dos efeitos da crise climática. Correntes feministas sugerem ainda o conceito de “economia do cuidado”, baseado no cuidado diário com a própria comunidade e com a natureza, como um modelo de integração e reconstrução vital do sistema econômico. A recuperação econômica com a sustentabilidade, economia solidária, agroecologia e outras possibilidades de desenvolvimento resiliente ao ambiente apontam para a importância da igualdade de gênero na condução dessas políticas.


Vale destacar que é necessário haver a promoção da participação das mulheres nas ações climáticas: somos agentes importantes nesse processo de mudança, tanto no apontamento de estratégias de desenvolvimento sustentável quanto na implementação e monitoramento dessas políticas. Eventos internacionais como a 27ª sessão da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP 27), que ocorreu em novembro desse ano, no Egito, e a 66ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), apontam que alcançar a igualdade de gênero e empoderamento de mulheres é tema prioritário no cenário de crise climática e alcance para o desenvolvimento sustentável.




Nós, mulheres, temos ciência das muitas e diferentes mazelas históricas que insistem em nos ceifar todos os dias. Chegar até aqui e trilhar sonhos e caminhos possíveis é vitória de todas nós, e identificar, desconstruir e superar os elementos culturais presentes nos cotidianos que nos limita a todo instante aponta para uma resistência e para pensarmos juntas/os/es soluções de um mundo melhor.




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