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Adeus, Mogi. Obrigado, Mogi!

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • 26 de jan.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 27 de jan.



Lembro a primeira vez que soube sobre essa cidade.


Foi bem próximo do dia que a conheci: flashes, faróis como traçantes, desço a serra, descubro um novo mundo. Terra fundada por bandeirantes, antiga, com seus mais de quatrocentos anos.


Seu nome vem da língua tupi: "Moji" significa "rio das cobras", uma referência ao Rio Tietê, que passa pela região. Antiga terra de indígenas, seus verdadeiros donos, que foram capturados ou expulsos do seu território durante a expansão bandeirante.


Sua arquitetura colonial, suas igrejas, local de visita e morada de imperadores, importante rota de passagem entre o interior paulista e o litoral, o Caminho do Mar.


Nos seus centros, nas suas ruas, sangue indígena e negro, mãos não brancas te edificaram. Capela de São Benedito, santo dos escravizados.


Uma cidade que tenta esconder suas origens, tenta se embranquecer, mas sua negritude se explicita nos muros, nas estruturas, no seu passado.



Mogi das Cruzes era um dos principais pontos de partida das bandeiras — expedições que capturavam indígenas para serem escravizados.


Os mogianos participaram ativamente dessas expedições, e os indígenas capturados eram levados para trabalhar em fazendas e construções na vila de São Paulo e arredores.



Muitos indígenas foram levados à força para Mogi e outras cidades paulistas. Com o declínio da escravidão indígena no século XVII, a cidade passou a utilizar cada vez mais africanos escravizados.


Pretos, quase todos eles, à margem, forçados a construir algo que nunca iria ser deles. Sempre do lado oposto, sendo considerados obstáculos para o progresso, mesmo que suas mãos fossem efetivamente o motor dele.



Minha Mogi das Cruzes, você me recebeu tão bem, mesmo que eu tenha demorado a me adaptar ao seu marasmo, tenha estranhado a tranquilidade e a sensação de segurança. Corpo já traumatizado de outras épocas, períodos em que o medo era companhia diária.


Nas suas ruas andei, nos seus bares tentei beber, nas suas festas me libertar. Mas, ao relógio zerar, as portas fecham, as ruas esvaziam, as praças são espaços de resistência, daqueles que buscam se deliciar com as oportunidades do luar.


Terra onde vi a busca por criar uma família, crescer, amadurecer, em um amor que deixo aqui no físico, mas no abstrato levo comigo.


Relacionamento esse que me edificou, que me ensinou a ser maior do que acreditava ser, a não ter medo de adentrar lugares que antes achava que não eram para mim.



Uma continuação, uma construção, um ponto de fusão, de entendimento, que o Pivete é o Iago. Ao mesmo tempo, eles dois sou eu.


Minha Mogi, terra de imigração nipônica. Sua estética se vende japonesa, mas sua essência é negra e indígena. Cinturão verde, espero que volte a ver seu verde, tão ameaçado pelo cinza dos prédios, dos condomínios, que sobem a uma velocidade que se difere, talvez, da sua possível queda.


Morei acima de um antigo mangue, restinga, vegetação. No Parque Centenário, andei com a Andy, uma Border Collie que preencheu meu coração.


Igreja de Santana, Nossa Senhora de Sant'Ana, mãe de Maria e avó de Jesus Cristo, abençoe todos nós. Se a Baixada é mãe, Mogi foi avó. Levou a tranquilidade, o tradicionalismo e o pudor. Me alimentou, me deu carinho, oportunidades, tratou das minhas feridas.


A distância da minha família, amigos, conhecidos... Vim para esse lugar me baseando em amor. Me conectei com alguém de uma forma que nunca fiz antes.


Vivi tanto. Foi tão bom.


Mas acabou, com ofensas, desilusões. Mas mesmo assim, foi bom. Mesmo que termine, nunca deixarei de também ser um pouco daquilo que construímos juntos. Ali, na única Mogi.



Terra de quilombos. Serra do Itapeti, morada da liberdade. Terra do caqui, seus maiores produtores se encontram aqui. Entre seus moradores ilustres, está Monteiro Lobato, que passou algumas temporadas. Como homenagem, criou o personagem Jeca Tatu, símbolo do homem do interior brasileiro.


Pedra do Lagarto, a Represa do Rio Jundiaí, Morro do Urubu e a Serra do Mar. São tantas as suas belezas, mas tão explícita sua feiura. Terra de grandes ruas, vazias em sua parte, sem sombra, sem árvore. Mas tem coisa linda. Mas fora do centro, nas margens.


Mogi, Mogi, você me deu abrigo, me deu carinho, me ensinou o que é amar. Olho para ti como seu netinho, já grande, tendo um mundo inteiro para vislumbrar.


Sei que foi pouco tempo que passei contigo, mas seus aprendizados para a vida vou levar.



No Zé do Cabrito, vi seu samba, sua bamba, sua gente preta e quente.


Resistência. Não esqueça, Mogi, o que você tem de bonito está em suas margens.


Igreja Nossa Senhora da Paz. Estava na sua jurisdição acompanhado por uma pessoa linda, que quero levar sempre ao meu lado, mesmo que não rotulado, mesmo que já terminado. Eu fui feliz sendo iluminado por sua luz.


De olhos abertos, no estado, às margens da grande metrópole. Milhões de pessoas. Estação Estudantes, deslizando em sua complexa linha férrea.


Mooca, terra que me oportunizou ser parte da máquina paulistana. Já fiz parte de sua estrutura, nas linhas duras. Fui um explorado feliz.



Grande quilombo urbano, terra de Aparelha Luzia, de Grow.


Aprendi a sobreviver nessa grande Babilônia. Se eu sei andar por SP, sei andar pelo país.


Mogi, obrigado por tudo que você me proporcionou, independente de grana, tempo ou amor.


Eu sempre serei feliz de ter descido aquela serra, sentindo seu frio e seu calor, sua chuva repentina, sua ausência de sombra, os escassos “bom dia”.


Entre suas cobras, nesse caminho para o mar, eu me conheci, me reconheci.


Sou você também.


Obrigado, Mogi.


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