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A cafeteria

Por Roberto Brito


A cafeteira, em geral, reúne pessoas viciadas na substância cafeína. O mais engraçado (e contraditório) é que quase ninguém pensa na cafeína enquanto toma uma xícara de café. Na cafeteria, todos conversam entre si, para si, consigo mesmos, com pessoas estranhas (o que tem sido raro nos tempos de hoje), com seus pares. Os olhares se entrecruzam, pupilas dilatam sob o efeito do café. A música é alta o suficiente para distrair a conversa e mesmo para desconcentrar os que leem. Aqui, sinto a mesma desatenção que observo em bibliotecas: uma pena não servirem café nas bibliotecas. O clima dá sono, há um ruído na sala que ronda os ouvidos, faz a pele esfriar, dá aos ouvidos a mesma desatenção dada aos olhos, um vai-e-vem propício para a desatenção dos sentidos.

O primeiro efeito do café é a atenção forçada a algo completamente distinto no ambiente; o segundo efeito, é a desatenção de si; o terceiro é uma pequena cefaleia; o quarto é a sensação de obrigatoriedade para com as atividades propostas para serem realizadas neste recinto (pois qual seria o motivo de tomar café em uma cafeteria?). Os outros efeitos são mera consequência do efeito: um efeito rarefeito, misto de atenção forçada como aquela mesma desatenção de quando passa uma mulher exalando feromônio. Você vê, mas é um ver desatento. Você se propõe a ler, e acaba prestando atenção no cheiro doce da mulher ao seu lado. Você quer tomar café, mas na verdade queria mesmo é sentir o gosto amargo da boca daquela mulher que exala o cheiro doce; esse doce facilmente adocica esse gosto amargo do café na boca.

Um namorado fala suas besteiras de rotina. Ao seu lado, sua namorada come um bolo e ele discursa com um talento “impecável”. Ela olhava para ele como quem olhasse para um pedaço de torta de chocolate. Um outro casal, ao lado, toma um café gelado e permanecem calados, trocando olhares de introdução de conversa chata, típico momento de um casal desatento. Outras duas mulheres fofocam sobre aquela mulher da firma que ambas odeiam. Alguns estão isolados, concentrados em leituras desatentas, típicos personagens da cafeteria.

Enquanto todos esses personagens combinam esse “tipo ideal” de lugar, lá embaixo, os funcionários trabalham: torram o café, ferve o leite, esquentam os pães e as roscas, trabalham na cafeteria como se fossem funcionários de uma firma muito importante. Atendem-nos com uma educação deseducada, onde, se pudessem, ao invés de servirem o café educadamente, jogariam em nós e ririam ao prazer de nos ver queimar no café fervendo. Duvido muito que gostem de beber café. A cafeteria tem dessas coisas: pessoas em leitura “blasé”, um cheiro rançoso de café torrado, uns olhares entrecruzados e forçados. Nunca tinha parado para pensar o quão chato é o ambiente de uma cafeteria. Prefiro as praças nas tardes de sábado.


Revista Menó, nº. 3/2021 (out/nov/dez).

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