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Prisioneiro do planeta inferno

Atualizado: 22 de dez. de 2022

Autor: Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho


REVISTA MENÓ | 5° edição | RESENHAS



 Cia das Letras/Reprodução


Ficha técnica: Maus: a História de um Sobrevivente é um romance gráfico escrito pelo ilustrador e cartunista Art Spiegelman, que retrata de vida de seu pai, Vladek, um judeu polonês sobrevivente do holocausto nazista. Simbolizando judeus como ratos, poloneses como porcos, americanos como cães e nazistas como gatos, Spiegelman memorializa a história de vida de Vladek, atravessada pela 2ª Guerra Mundial e os horrores do holocausto. O romance gráfico foi lançado no Brasil, em 2009, pela Companhia das Letras. Atualmente está em sua 46ª reimpressão, com a tradução de Antônio de Macedo Soares, preparação de Cristina Yamazaki, revisão de Adriana Cerello e Renato Potenza Rodrigues, e composição de Lilian Mitsunaga.


Edições brasileiras de Maus


Mini bio


Segundo a Lambiek Comiclopedia, Art Spiegelman é "um dos nomes mais célebres dos quadrinhos contemporâneos, mais conhecido por sua graphic novel autobiográfica, vencedora do Prêmio Pulitzer, 'Maus' (1986, 1991)".

Ihtzak Avraham ben Zeev Spiegelman nasceu em 1948, em Estocolmo, Suécia. Seus pais deixaram a Polônia no final da Segunda Guerra Mundial, emigrando primeiro para a Suécia antes de se mudarem definitivamente para os Estados Unidos, em 1951. Nos EUA, a família mudou-se inicialmente para Norristown, Pensilvânia, depois, em 1957, para Rego Park no Queens, em Nova York. O pai e a mãe de Spiegelman, Vladek e Anja Spiegelman, eram judeus sobreviventes do campo de extermínio de Auschwitz que perderam todos os outros parentes no Holocausto. As histórias dos traumas de guerra de seus pais deixaram uma marca duradoura na própria psique de Spiegelman. Aos 20 anos, Art teve um colapso nervoso e passou alguns meses em uma instituição psiquiátrica, pois soube que sua mãe havia cometido suicídio. Esses eventos moldaram a natureza e o tom de suas narrativas em muitos trabalhos posteriores.




Spiegelman foi coeditor, criador e cartunista das antologias de quadrinhos "Arcade" (1975-1976, com Bill Griffith) e Raw (1980-1991), com a esposa Françoise Mouly. Também produziu para a revista The New Yorker por mais de um década. Os quadrinhos e livros de Spiegelman apresentam tópicos controversos, como os ataques de 11 de setembro, em Nova York, descritos em 'Na sombra de nenhuma torre' (Pantheon, 2004). Ele é um proeminente porta-voz dos quadrinhos, e apresentou sua história em palestras, ensaios e livros.


Origens de Maus


A imagem traz a capa da Revista Raw, editada por Art Spiegelman e Françoise Mouly, entre 1980 a 1991, onde foram publicados em série os quadrinhos de Maus. A Raw foi uma publicação emblemática do movimento de quadrinhos alternativos dos anos 1980, que seguiu uma tradição underground e contou com a colaboração de diversos artistas dos Estados Unidos, Europa, América Latina, Ásia e África.



O trabalho mais famoso publicado na revista foi o romance ilustrado Maus, premiado com o Pulitzer, que foi publicado em capítulos individuais, de 1 a 6, na primeira parte, e de 1 a 4, na segunda, começando seu lançamento na Raw, V. 2 (1980).




A ilustração "Self-Portrait with Maus Mask", de Art Spiegelman, capa da edição de 6 de junho de 1989 do tabloide nova-iorquino The Village Voice, retrata o processo de criação do artista e no fundo a Revista Raw, Volume 2, onde foi publicado pela primeira vez o romance gráfico Maus.




A Revista Raw surgiu após o fim da Arcade, uma revista de quadrinhos underground dos anos 70 que Spiegelman coeditou com Bill Griffith, e o declínio geral da cena underground dos quadrinhos. Françoise Mouly fundou sua pequena editora, Raw Books & Graphics, em 1977, e imaginou uma revista que abrangesse seus interesses gráficos e literários como uma perspectiva mais atraente do que publicar livros. Assim, convenceu Spiegelman a ser seu coeditor na véspera de Ano Novo de 1979. A revista, que era distribuída em livrarias independentes e impressa na casa de Mouly, tinha o propósito de oferecer uma alternativa aos cartunistas que criavam quadrinhos adultos e que não se encaixavam nos moldes dos quadrinhos de super-heróis, predominante no mercado editorial nos Estados Unidos, e nem nos moldes dos quadrinhos que dominavam o cenário Europeu.


Herdeiro do holocausto



Maus não é somente um romance que conta a história do pai de Art Spiegelman, essencialmente um sobrevivente, homem duro, tenaz, cuja resiliência impressiona, mas a história do processo de pesquisa do autor, das anamneses e da relação com seu pai e consigo mesmo. Por mais que a história tenha seu foco nos horrores do holocausto, constituindo um triste memorial das atrocidades cometidas pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. O relato presente em Maus é mediado pela difícil relação entre pai e filho, pela terrível herança deixada pela guerra.


As conversas de Art com seu pai revelam as sequelas das atrocidades sofridas nos campos de concentração, por conta fome, do frio, da escassez de roupas, objetos e afetos, que produziram nele a dependência de remédios, pesadelos constantes e limitações físicas. E deixam claro que as sequelas do holocausto não ocorreram somente naqueles que sofreram os horrores da guerra diretamente, mas em seus descendentes. No livro, Art retrata suas sessões de terapia e como ele mesmo deu conta dos efeitos do holocausto sobre uma geração de filhos cujos pais viveram o holocausto.




No romance gráfico, os personagens são representados por animais nos trechos em que as memórias da vida de Vladek estão representadas. Os judeus são ratos, fazendo alusão às propagandas nazistas, os nazistas são gatos, os poloneses são porcos, os americanos são cães, os franceses são sapos, os russos são ursos, os suecos são renas, os ingleses são peixes e os ciganos são libélulas. Nos trechos em que Art explica o processo de criação do romance, sua recepção, suas sessões de terapia, longe da experiência direta de seu seu pai, os personagens são representados por máscaras dos mesmos animais, simbolizando como ele, Art, enquanto indivíduo, processou e lidou com todos esses acontecimentos trágicos, emoções e rotulações.


No que diz respeito a história de vida de Vladek e sua experiência do holocausto, o livro traz de maneira direta e didática todo o cotidiano dos judeus, antes e depois da eclosão da guerra. Apresenta de uma maneira muito clara a gradual escalada repressiva nazista, onde restrições, mortes pontuais, expropriações de alguns elementos estigmatizados, foi gradualmente se generalizando até abranger toda comunidade judaica, comunistas e opositores do regime nazista em geral.


No início da história, fica nítido que nenhum judeu acreditava na escalada da situação para campos de extermínio. A grande maioria dos judeus nem acreditava que existiam campos de extermínio, como Auschwitz, mesmo quando em plena atividade, ou mesmo acreditavam que esses não eram campos de extermínio. O livro revela a estratégia sofisticada e ardilosa de dominação, espoliação e genocídio promovida pelos nazistas para com a comunidade judaica, que incluiu a eliminação gradual de criminosos, pobres, depois velhos, a espoliação que iniciou com cobrança de taxas, tomada de bens específicos, até chegar na espoliação total e no genocídio.


Art durante o livro expressa o trauma pela culpa que sente de não ter estado lá, quando seus pais passaram pelos horrores do holocausto, por ter sido “privilegiado” com a paz. Porém, sua inquietação e seu senso de dever produziram para a humanidade um monumento as vítimas do holocausto, um alerta essencial sobre a estratégia e os métodos nazifascistas.


O romance gráfico é especialmente importante nos dias de hoje, em que vivemos um ressurgimento dos ideais fascistas, a proliferação de governos de extrema direita, neofascistas e supremacistas brancos, que tem buscado retomar os ideias eugênicos e autoritários do fascismo histórico. Sendo assim, Maus – A história de um Sobrevivente, serve de alerta para as novas gerações sobre as terríveis consequências da ascensão de governos totalitários e fascistas.


Referências:

BENZAQUEM, Camila. Maus: a história de um sobrevivente – Art Spiegelman (1980) – resenha. Revista Relações Exteriores (2022). Disponível em: https://relacoesexteriores.com.br/maus-art-spiegelman-resenha/.

LAMBIEK COMICLOPEDIA. Amsterdam, 2015. Disponível em: https://www.lambiek.net/artists/s/spiegelman.htm.

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