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Praia sem mar, quintal com onda: a maré interiorana do Praias de Minas em Regras de Sítio

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • há 2 dias
  • 8 min de leitura

“Nós não temos que esperar para ser notados, mano. Tem coisa que a gente tem que invadir mesmo. Fazer.” Raduan, Praias de Minas

Quem nasce no miolo do vetor norte da Grande BH já nasce sabendo que vai ter que inventar um caminho. E Praias de Minas é isso: um grupo que mais parece atalho sonoro entre o Minas e o mar — mesmo que o mar seja só metáfora.


Formado por Febá e Raduan, o grupo lança som desde 2019, mas em 2024 bateu diferente com o EP "Regras do Sítio", um compilado de cinco faixas que mais parece temporada de série. Tem começo, meio, fim e aquele gostinho de “rolê que você queria ter vivido”. Agora o EP também virou pocket show, gravado no quintal de casa e lançado no YouTube com apoio da Lei Paulo Gustavo.


“É tipo tiny desk, mas com churrasco”, resume Raduan.


E foi desse jeito, sem gravadora, sem play de TikTok, sem moldura de centro, que os mano foram fazendo barulho. Barulho íntimo, diga-se. Aquela contradição que Minas sabe bem guardar: sutil, mas profundo. Como eles dizem, não é sobre ostentar, é sobre evidenciar.


“É o som do mar em qualquer lugar, tá ligado?” — Raduan, Praias de Minas

Para Febá e Raduan, o mar é estado de espírito. É memória de rolê, é quintal com piscina de plástico, é beat atravessando a cerca viva da vizinha.


📷: @abouts.k
📷: @abouts.k

É nesse lugar — entre o imaginado e o concreto, entre a margem e o centro — que nasceu o grupo Praias de Minas, vindo direto da zona de sombra da RMBH, onde a cidade se dilui, onde as regras do jogo são outras.


Eles rimam, produzem, editam vídeo, fecham o corre. Fazem música, mas sem se enquadrar no anseios do mercado. É o som de quem constrói estética com o que tem, não com o que mandam ter.


"O nome é manifesto, mano"


📷: @abouts.k
📷: @abouts.k

Raduan entra logo cortando:


“A gente queria fazer um bagulho bem memorável, tá ligado? E vendo essa ideia de evidenciar um bagulho nosso mesmo… Praias de Minas. Tipo assim: não falta nada pra nós.”

Pra quem não entendeu o recado, Febá completa:


“No mar de genericismo, a gente tá tentando fazer uma parada um pouco mais autêntica, que tem mais a nossa cara.”
📷: @abouts.k
📷: @abouts.k

São José da Lapa é o berço do grupo. Uma dessas cidades coladas em BH que o mapa não dá muita atenção. Mas é ali, com microfone na mão e beat no fone, que Praias de Minas tá criando um som difícil de classificar.


“Os manos ficam confusos. Não é trap, não é boom bap. Só que os mano só têm essas duas referências. No nosso EP mesmo, cê ouve reggaeton, ouve influência de house, funk, Jersey Club... Tudo que a gente escuta aqui. Isso é regionalidade também, tá ligado?”, manda Raduan.

Começo de quintal, processo de fé



Quando se conheceram, não tinha nome, nem grupo, nem plano.


“Eu tinha 18, ele 17. A gente tava começando a vida adulta, e começando a rimar também. Tava reaprendendo o mundo, tá ligado?”, conta Raduan.

O encontro foi no detalhe, tipo quem tropeça no próprio destino.


“Nós colou trocando ideia sobre o álbum Damn, do Kendrick Lamar, sobre um som específico. Aí eu percebi que o algoritmo dele era igual ao meu. Era isso. Conexão.” — Febá


E com o tempo, essa conexão virou processo. Um processo de fé e paciência — que vai além da parceria entre os dois. Exemplo disso é o rapper baiano Matchola, que já saiu em uma resenha aqui na Menó e participa do EP na faixa Pesque e Pague.


“Às vezes ele (Febá) me manda um beat já com as pausas certas, sabendo onde vou mudar o flow. Às vezes eu mando um refrão e ele mexe numa parte da letra. Não tem fórmula, mas tem sintonia.” — Raduan

Uma dupla que se sustenta no corre.


“Tem dia que você tá batido, amassado. Aí o outro puxa. Vamo fazer. Vamo lançar. Vamo continuar. Isso salva.” — Raduan


“Eu já fiz beat que ele odiou. Ele já escreveu verso que eu cortei. Mas a gente se entende. Se não bateu pros dois, não sai.” — Febá

E talvez seja isso que mantém a chama: não é só som. É aliança. É amizade que vira projeto. É projeto que vira linguagem.


No eixo da margem


Eles vêm do vetor norte, mas já passaram por outros cantos. Raduan morou em Melo Viana em Esmeraldas e Contagem. Febá nasceu e foi criado em São José da Lapa.


“Aqui o tempo é outro. A gente aprende a esperar. E aprende a fazer com o que tem. Cê gasta uma hora só pra ir num rolê em BH, fora a volta. Então tudo tem que ser pensado. Medido. Com intenção.” — Febá


“Tipo assim, fazer um show é uma guerra. Porque não tem casa de show pra nós. As que tinham tão fechando. Então o que a gente fez? Organizamos o nosso, mano. No sítio mesmo. Com van, com os de fé. É isso.” — Raduan

Esse é o cenário de onde nasce o som do Praias de Minas: território sem glamour, mas com verdade.


Sítio como território, beat como memória



O EP nasceu no quintal, e virou o audiovisual “ao vivo” mais íntimo da cena. O plano era claro:


“Vamos usar o que a gente tem aqui. Isso atribui valor pros nossos. Pra quem faz com o que tem. Tipo assim, os moleque daqui também pode.” — Raduan


E isso inclui o cenário, a direção de arte, os convidados. Nada de gravar com cenário de Pinterest ou modelo de produtora.


“É sobre trazer os pontos específicos da nossa vivência pra tornar o bagulho mais pé no chão. Porque tipo assim, o cara na rua tromba nós de palio, não de Ferrari”, brinca.

Febá não alivia na real:


“Essa é a nossa vibe. Festa em casa. Tudo no processo foi muito caseiro, tipo... eu comigo mesmo fazendo o beat, o Matheus (Raduan) sozinho na letra, depois a gente junta.”

Mais que som, é uma cena: a casa, a laje, o quintal, à mesa, os amigos.


“A gente sempre quis fazer mais do que só música. Contar história, dar rosto pro som. E fazer com o que tem. O clipe de “Pelas” foi gravado na casa da minha vó. Deu trabalho pra ela depois. Mas era pra encapsular isso: nossa vibe caseira.” — Febá


“Tudo nós que faz. Eu edito os vídeos. Faço os cortes, as transições. Porque é isso também: se nem você se importa com o visual do seu som, por que alguém se importaria o suficiente pra dar play?” — Raduan

E mesmo sendo simples, é poderoso. Porque tem intenção. Tem memória.


“Eu lembro dos DVD da feirinha, dos clipes que marcavam. A gente quer fazer isso também. Criar espaço na memória das pessoas. Mesmo sem estúdio caro, sem produtora famosa.” — Raduan

“Essas regras já tão ditas, sacramentadas”


“Regras do Sítio” é título e síntese. Um EP sobre um rolê que não precisa de legenda.


“As regras são vividas. Tipo assim, mano… cada faixa é uma sensação que acontece na resenha. Começa na vibe, vai subindo a onda, aí vem as brisa torta, a nóia, a paixão mal resolvida… são as regras que tão ali, sacou?” — Raduan


A gente foge da hipérbole. Não tem Ferrari, não tem putaria gratuita. Tem nóis mesmo. Tipo... a DR na resenha, o olho vermelho, o parceiro que sumiu no meio da festa. As coisas que acontecem, tá ligado?”, diz Febá.

Cada faixa, uma maré


O EP tem 5 faixas, cada uma com uma vibe, um estado mental. Mas todas costuram uma narrativa comum: a festa como metáfora da vida periférica.


“A gente pensou como uma resenha mesmo. Começa com Pelas, que é o clima alto astral. Depois vem Dragão Negro, mais paranoico, mais introspectivo. Pesque e Pague é a paixão meio errada, meio quente. Aí vem Fogo de Rolê, que é tipo... o baque. E por fim, Vai Chover, que é o fim da festa.” — Raduan

As cinco faixas seguem esse fluxo:


  1. Pelas: festa, celebração, refrão chiclete.

  2. Dragão Negro de Olhos Vermelhos: paranoia, introspecção.

  3. Pesque e Pague (com Matchola): paixão bruta, vulnerável.



“São experiências que acontecem. Não é regra escrita, mas vai acontecer. Cê vai pirar, cê vai se perder, vai olhar estranho pra um mano, vai bater nóia. E vai amar também. E vai chover.” — Febá

  1. Fogo de Rolê Comigo: tensão e lição.

  2. Vai Chover: o fim da festa — mas com esperança.


“Tem que ser real. Eu escrevo puxando de coisas que vivi, mas de um jeito que quem ouve também consegue abstrair o que precisa. É mais sobre o sentimento do que sobre o fato.” — Raduan



Sobre política, rap e não se render à IA


E como não poderia ser diferente, falamos um pouco de política também — não a de palanque, mas a que atravessa o corpo, o som e a vida cotidiana. Política como existência. Como gesto.


“Rap é político por essência. Porque ele vem da margem, do aperto, da necessidade. Mas não é só na letra. Viver também é político. Amar, fazer festa, rir com os seus, isso também é resistência.” — Raduan


Pergunto se o rap precisa ser útil, se precisa sempre carregar discurso. A resposta vem afiada.


“Rap é político porque ele é um reflexo da classe trabalhadora. Desde o começo. Mas eu não acho que é dever do artista fazer som panfletário, não. Fazer churrasco com os amigos também é político.” — Raduan

“A gente não precisa criar ficção, tá ligado? Só de tá aqui, rimando sobre nós mesmo, já é resistência.” — Febá


A conversa rendeu ainda sobre os desafios de fazer arte independente num país que exige tudo e oferece pouco.


“Hoje em dia, só o som não segura. Qualquer um baixa um beat, grava no celular e posta. Isso é massa, democratiza. Mas se você quer fazer um trampo consistente, que dure, tem que ter esforço. Tem que ter intenção.” — Febá

E nesse meio, também falamos sobre inteligência artificial, hype, modismo, algoritmos...


“Se você precisa de IA pra escrever música, talvez você nem devesse escrever música. No rap, principalmente, o barato tem que vir de dentro. É pessoal. É história. É bagagem.” — Raduan


“Na produção, até uso IA pra uma coisa ou outra. Pra isolar vocal, testar uns cortes. Mas criação é outra fita. Não tem como terceirizar sentimento.” — Febá

“Hoje o algoritmo engole tudo que não segue o padrão. Mas a gente não vai ser moldado. A gente cria com o que sente. Não é IA que vai escrever por mim.” — Raduan


Indústria, eixo e as estéticas do silêncio


É nesse clima que o papo mergulha mais fundo nas ausências — no que se cria longe dos holofotes, e por isso mesmo com mais força.


“Minas exporta queijo, comida, coisa segura. Mas não exporta a cultura jovem da margem, tá ligado? Porque ninguém quer ver. Porque não põe dinheiro no bolso de quem manda. Mas aqui tem, pô. Tem MC Papo, tem cena eletrônica forte, tem funk nosso, tem batalha. Mas não tem backing.” — Raduan


“É por isso que os mano ficam tentando parecer com SP, com o Rio. Porque é o que funciona. Mas a gente quer forçar outro caminho. Fazer com a nossa cara, no nosso ritmo.” — Febá

É nesse silêncio forçado — da indústria, das curadorias, das plataformas — que Praias de Minas arma seu barulho. Com a câmera na mão, a batida no fone, e o território no verso.


No fim das contas, é isso: não tem mar. Mas tem onda.


“Nós passou muito tempo querendo. Querendo fazer. Querendo viver. Querendo chegar lá. E agora nós tá fazendo.” — Raduan


“E se não quiserem ouvir, foda-se. A gente já tá ouvindo um ao outro.” — Febá

O som de Praias de Minas não vem pra preencher espaço de ninguém. Vem pra abrir espaço novo. E se o centro não quiser escutar, o recado já tá dado: a onda vem do interior, e vem forte. 


Final de resenha, começo de outra



Hoje, sete meses depois do EP, o grupo grava o pocket ao vivo, retoma o fogo e reacende o que ficou.


“Essas músicas sobreviveram ao tempo. Então a gente também sobrevive.” — Febá


“Se os cara não vão dar espaço, a gente cria. Se o centro não ouve, a gente grita do quintal. Até ouvirem.” — Raduan

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