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  • Fijó

Nada se cria, tudo se copia: a falta de originalidade e as falsas criações

Por Fijó.


Passemos a considerar um outro ângulo da criatividade. A imaginação criativa foi definida por nós como um pensar específico sobre um fazer concreto. O pensamento se torna necessariamente específico ao indagar a natureza da matéria através de formas que são referidas a ela. Nesse processo, a especificidade se confunde com a ampliação de possibilidades (OSTROWER, 1987, p, 38).


É verdade que somos seres criativos. De acordo com Pino (2006), criatividade ou atividade criadora é aquela "que permite aos seres humanos agir sobre a natureza e transformá-la em função de objetivos próprios e, pelo mesmo ato, transformarem-se a si mesmos" (p. 49-50). Porém, como apontado por Ostrower (2015), tantas possibilidades, ao passo que facilitam o acesso ao ato de criar, têm aberto portas para outra questão a ser debatida: a mediocridade. Segundo a autora, a arte tem o "estranho poder de nos comover tão profundamente", por falar "a nós, sobre nós, sobre o nosso mais íntimo ser" (p. 14) e, desta forma, surge um problema: se a arte comunica por falar de valores de vida, e estamos vivendo em uma sociedade de consumo, tal mediocridade criativa talvez se deva ao fato de estarmos representando de forma medíocre certos desejos fúteis de nossa vivência (ibidem, p. 14).


Vemos que tudo, absolutamente, tudo, está sendo reduzido ao nível de mercadorias a serem vendidas e compradas, consumidas a mais rapidamente possível para, logo em seguida, serem descartadas e novamente substituídas. Também os seres humanos, seu trabalho, seu potencial criador, suas obras de arte não passam de mercadorias. Compram-se e vendem-se. E tudo tem seu preço (OSTROWER, 2015, p. 14).


Em nossa última edição, discutimos sobre precisarmos de tempo hábil para planejar e organizar nosso futuro, que assim conquistaríamos maiores horizontes no que diz respeito às criações que poderiam mudar o mundo como conhecemos para melhor (FIJÓ, 2022). De fato, tal reflexão faz-se necessária, uma vez que nosso tempo ocioso - que poderia ser usado para projetar novos ares - vem sendo substituído por cada vez mais obrigações e nos impedindo de evoluir pessoal e profissionalmente. No entanto, a reflexão é rasa demais se desconsiderar que este tempo, quando mal administrado, também pode virar celeiro de criações medíocres ou até mesmo falsas criações, devido ao acúmulo de informações que consumimos através das mídias sociais, dos veículos de comunicação etc, e acabamos por reproduzir em nossas criações sem perceber. Nos tornamos “reprodutores”, e não “produtores”.


Partindo deste ponto, é necessário elencar o que é, dentro do ócio, útil. Utilizar-se do tempo "livre" para criar não é criar qualquer coisa, a qualquer modo; é fazer uso deste tempo para lapidar as ideias que invadem o imaginário enquanto desfrutamos do descanso. Pino (2016) aponta que "o imaginário é comparável a uma fábrica de produção" (p. 54). Ora, de que adianta uma fábrica, seus instrumentos e estrutura, se não há recursos humanos qualificados para que seu produto final seja de boa qualidade?


Igualmente, de que adianta um lugar que crie exatamente a mesma coisa que outros lugares já criam há tempos, fazendo o limite entre "referência" e "cópia" tão tênue que quase não pode ser visto? Os chamados "nichos de mercado", que hoje também se aplicam à arte, cultura e até mesmo a instrumentos pedagógicos, como vídeo-aulas e cursos on-line, são alguns exemplos de como estamos limitados a repetir métodos que podem até não dar certo em nosso campo de conhecimento/atuação, mas que dão certo financeiramente ou, em outras palavras, se vendem bem.


Façamos de nosso imaginário um instrumento de mudanças efetivas na sociedade, não de compra e venda. Ao criarmos o chamado "mais do mesmo", com o intuito de nos encaixarmos em nichos cada vez menos acessíveis e democráticos, não estamos somente tornando real um mundo copiado e mercantil; mas também nos distanciamos cada vez mais de um mundo inovador. Como disse Ostrower, citada também em nossa última edição: "no formar, todo construir é um destruir" (1977, p. 26, citada por FIJÓ, 2022).



REFERÊNCIAS

FIJÓ. “Eu preciso disso pra ontem”: O imediatismo como obstáculo no cumprimento de metas a longo prazo. Revista Menó [online], v. 1, n. 4, maio 2022 [Acessado em 12 jul. 2022], ISSN 2764-5649. Disponível em: https://www.revistameno.com.br/post/eu-preciso-disso-para-ontem-o-imediatismo-como-obst%C3%A1culo-no-cumprimento-de-metas-a-longo-prazo.


OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação / Fayga Ostrower. Petrópolis: Vozes, 1987. ISBN 853-260-5532.


OSTROWER, Fayga. Arte e Artistas do Século XX. In: Fayga Ostrower / Anna Bella Geiger (Org.). Editora FGV: Rio de Janeiro, 2015 [Acessado em 12 jul. 2022]. Disponível em: https://editora.fgv.br/produto/fayga-ostrower-2873.


PINO, Angel. A produção imaginária e a formação do sentido estético. Reflexões úteis para uma educação humana. In: Pro-Posições, Campinas, v. 17, n. 2, maio/ago 2016 [Acessado em 12 jul. 2022], pp. 47-69. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643628.



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