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  • Fijó

O que é que a Baixada tem?

Atualizado: 4 de jan. de 2022

Por Fijó


"Em contraste com a muito variável e atribulada história da Baixada, dois eixos parecem possuir certa permanência: o nexo entre a constituição dos poderes políticos locais e o uso de métodos violentos, como os assassinatos; e a condição periférica em relação à cidade do Rio de Janeiro. Esses dois aspectos das circunstâncias políticas, econômicas e sociais da região (...) são fundamentais para a compreensão de como se engendram as lógicas criminosas que fazem da Baixada uma das regiões mais violentas do estado, apresentado um patamar quase que constante de alta letalidade violenta, há décadas". Rodrigues [1].

Toda vez que se fala na Baixada Fluminense, principalmente sendo morador, discute-se como aqui é perigoso. Como a vida, desse lado da Baía de Guanabara, parece ser truculenta e mal vivida. Sem tempo para respirar, sem tempo para correr. Jogados ao léu e rezando aos céus por um salvador, ou ao menos uma salvação. Raros são os momentos em que a Baixada é enaltecida, e mais raros ainda os momentos em que é reverenciada. Quando acontece, tal fato se dá pela presença de personalidades e expressões artísticas baixadenses, que mesmo com todas as dificuldades conseguem um pouco mais de visibilidade, passando a fazer parte do que é chamado stream, ou seja, o que está sendo colocado em voga, sendo discutido, sendo apreciado. Nomes como Seu Jorge[2], Ludmilla[3], YOÚN[4], entre outros, seguem aparecendo na mídia e, com muito orgulho, falam de suas origens na Baixada e como isso os moldou enquanto artistas e, por que não dizer, moldou seu caráter.

Quando não é esse o caso, o que se ventila a respeito da Baixada nos principais veículos de mídia é uma amostra – nem sempre verdadeira – do caos que vivemos todos os dias. Operações policiais que parecem acontecer sem o menor vestígio de preparo; níveis de desemprego nas alturas, que nos afeta diretamente uma vez que buscamos e precisamos cada vez mais de oportunidades fora da Baixada, mesmo com seu território extenso; ou até mesmo mais uma variante de COVID, que começa a se espalhar pelo centro do Rio, mas afeta principalmente a mão-de-obra desse lugar, que está frequentemente associada aos “recursos humanos” baixadenses. Mas fica o questionamento: é só isso que a Baixada tem a oferecer? Alguns nomes na música e desastres/tragédias? Parece raso, tratando-se de um território habitado por quase 4 milhões de habitantes[5].

Assim como a Baiana de Carmen Miranda[6], questionamos aqui: o que será que a Baixada tem? Será que é unicamente aquilo que a grande mídia diz que temos – caos, tragédia e um pouquinho de arte? Não existem expressões dentro do esporte? Não existe apelo da baixada dentro da política? Não existem, porventura, acadêmicos que estão neste momento estudando sobre as variantes da COVID, podendo assim trazer uma solução mais rápida e eficaz contra esse tal vírus que nos assola há quase dois anos?

A imagem da Baixada Fluminense como um lugar onde “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, apesar de uma imagem incompleta, caiu no senso comum. Para quem olha de fora, se acredita piamente na falácia de que as coisas seriam problemáticas demais, ao ponto de não conseguirmos espaço relevante em nenhum lugar mais, somente na arte e mesmo assim passando sufoco. Tal imagem preconceituosa se faz prejudicial quando nós – moradores da Baixada – acreditamos nela e nos conformamos com nossas vidinhas medíocres. Uma vez aceita essa realidade, fica muito mais difícil atravessarmos as barreiras que historicamente já existem, pelo fato de não acreditarmos que somos capazes de ocupar outros lugares, com trabalhos relevantes.

É admirável o trabalho feito pela equipe de base do Duque de Caxias Futebol Clube, cuja categoria sub-17 feminino venceu a Taça Unifoot 2021, campeonato com final sediada no estádio Nilton Santos. É louvável o trabalho do Prof. Renato Mendes, ou simplesmente Natö, com o Projeto Aulada, no qual são trazidos elementos da arte para explicar eventos e traços historicamente sustentados até hoje, de uma forma fácil de entender e de discutir. É digno de se lembrar, ainda, a caminhada de cada um dos baixadenses que levanta todos os dias de manhã cedo para trabalhar, e trazer para dentro de casa, para seus filhos, sua família e/ou afins, um pouco de dignidade e alegria em meio ao caos que de fato vivemos, mas que não podemos resumir nele toda a experiência de vida baixadense. Faz-se injusto.

Em resumo, não venho aqui dizer o quanto é legal e simples viver na Baixada. Até porque me gera riso só de escrever tal coisa. É difícil. É complicado. É viver em esquecimento por parte das autoridades e morrer por ser lembrado pela munição da polícia. É ter que colocar o chapéu muito acima de onde a mão alcança, porque ou é isso ou não se coloca o chapéu em lugar algum, tentando viver carregando seu chapéu nas mãos. Mas precisamos ressaltar a extensa variedade de movimentos acontecendo – ao mesmo tempo – na Baixada. Movimentos do esporte, movimentos artísticos, movimentos educacionais, movimentos sociais. Movimentos que fazem a diferença. Movimentos que precisam ser relacionados a tudo que, hoje de forma mais intensa do que nunca, a Baixada tem. A Baixada teve. A Baixada sempre vai ter.

[1] RODRIGUES, A.L. Homicídios na Baixada Fluminense: Estado, mercado, criminalidade e poder. In: PENALVA, A., CORREIA, A.F., MARAFON, G.J., and SANT'ANNA, M.J.G., eds. Rio de Janeiro: uma abordagem dialógica sobre o território fluminense [online]. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018, pp. 116-142. Disponível em: <https://doi.org/10.7476/9788575115169.0006>. Acesso em: 21 de dezembro de 2021. [2] Jorge Mário da Silva, nascido em 1970 em Belford Roxo, é ator, cantor, compositor e multi-instrumentista brasileiro, reconhecido mundialmente como um dos grandes nomes da MPB, do Rhythm and Blues, do samba e do soul. Seu Jorge fez o papel de Carlos Marighella na produção biográfica Marighella, dirigida por Wagner Moura. [3] Nascida e criada em Duque de Caxias, Ludmilla Oliveira da Silva, ou simplesmente Ludmilla, é uma cantora, compositora, multi-instrumentista, atriz e empresária brasileira. Recentemente, Ludmilla se tornou a primeira mulher preta a ultrapassar a marca de 1bi de streamings. [4] Duo formado por Shuna e Gian Pedro, YOÚN mistura jazz, blues e muita música brasileira. Em 2020, a dupla esteve presente no projeto “Proteja Os Seus Sonhos” 2, que também contou com nomes como Zezé Motta, Luedji Luna, Thiago Pantaleão e Kalebe. [5] Dados de 2020, atualizados pelo IBGE. Fonte: <http://www.rj.gov.br/Uploads/Noticias/1327008%20-%20Fevereiro%202021%20-%20Baixada%20Fluminense.pdf>. Acesso em: 21 de dezembro de 2021. [6]O que é que a Baiana tem?”, lançado em 1939, foi uma música lançada para o filme Banana da Terra, produzido por Wallace Downey e dirigido por Ruy Costa.


Revista Menó, nº. 3/2021 (out/nov/dez).

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