Diário do Pivete: Roteiro de Aïnouz pelas Montanhas da Argélia
- Pivete
- 14 de nov. de 2023
- 3 min de leitura
Iago Menezes aka Visualbypivete

Penso em um dia buscar saber um pouco mais sobre minhas raízes. Ser negro é um processo contínuo de esquecimento. Me encontro aqui, não sei de onde vim, quem sou, quem posso ser e quem serei. Não tenho nem um sobrenome para começar, uma pista sequer. Tenho que lutar para não me encontrar como uma árvore oca, seca, pronta para desabar. Temos que nos apegar às raízes, mesmo que desconhecemos a sua profundidade.
“O Marinheiro das Montanhas” (2021) é um documentário bastante íntimo do diretor cearense Karim Aïnouz, que curiosamente tive o primeiro contato nas linhas do rapper também cearense Don L e seus álbuns “Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 3 e 2”, uma trilogia que começou em 2017 com o lançamento do terceiro volume. O rapper, ao falar do porquê de homenagear o diretor que é seu conterrâneo de Fortaleza, explica que a trilogia é uma observação do Brasil, que também fala de si, de suas experiências, mas buscando sempre a dialética entre o concreto e o abstrato. Um álbum que fala sobre ideias, que projeta ideais, mas que sempre reflete a partir das mãos e dos pés do povo.

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Uma busca pelas suas origens, uma carta para sua falecida mãe e uma investigação e resgate à memória do pai. Karim, em uma película poética, nos leva em uma busca por uma parte de suas raízes que se originam na Argélia, tendo as Montanhas Atlas em Kabylia como a base da árvore, que o fez atravessar o Mar Mediterrâneo.
No volume dois do seu "Roteiro pra Aïnouz", Don L traça a “trilha sonora da revolução brasileira”, seguindo um contexto linear histórico que lembra nosso querido velhinho vermelho, e não, não é o Papai Noel. O rapper faz o marxismo de cada dia e não busca só falar do mundo que vê, mas pensa no além, busca a sua transformação. Somos convocados para sua guerrilha, levados pelos tempos históricos, entre a colonização, a contemporaneidade e o futuro revolucionário.
O nosso documentarista cearense, que atravessa o globo em busca de suas raízes argelinas em seu poema cinematográfico, não se prende somente ao presente. Ele investiga o passado, reflete sobre o presente e idealiza o futuro, se vê ali através de pessoas que parecem tanto com ele, que carregam o seu sangue, mas também tantas barreiras os separam.

São diversas histórias até que chegue a nossa. São gerações, um tempo que não para, e um destino que traça e escreve novos capítulos de um enredo baseado no acaso. Mas não é tão simples assim; somos nós e nossos iguais que, através de suas idealizações e ações, interferem diretamente no passado, presente e futuro. Alguns só reafirmam a tragédia, outros buscam a salvação.
Em suas jornadas pela Argélia, Aïnouz encontra diversos jovens argelinos em seu caminho. Em sua maioria, eles têm poucas perspectivas de futuro, muitos buscando escapar de seu país de origem. Esse desejo de fuga é algo que, no final das contas, o próprio diretor também compartilha, temendo ficar demasiadamente preso ao passado. Um povo que travou uma intensa luta pela liberdade contra a colonização francesa agora se vê ouvindo, de seu próprio futuro, a frase: "preferiria que a França nunca tivesse deixado o país". Jovens que tiveram sua cultura totalmente "afrancesada", são abandonados pelo colonizador e impedidos de viver na França que os forçou a assimilar também uma identidade francesa.
Karim, com uma câmera digital na mão e uma voz em off, mostra que o passado tem que ser observado com cautela; não podemos esquecer do presente e menosprezar o futuro. Don L, com suas rimas, apresenta um Brasil em suas diversas dimensões, mostra a doença, mas também busca a cura.
“Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.” (MARX, 1974, p. 136)"
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