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Só escorreguei, mas caí em mim

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • 6 de jun.
  • 2 min de leitura

Foi no fim de um dia puxado. Corpo moído, mente pesada, e eu, enfim, no meu momento mais íntimo: o banho. Banho quente, daqueles que a gente não sabe se limpa ou se afoga. Saí do banheiro, descalço, chão molhado — e foi. Escorreguei.


A vida, às vezes, decide dar um grito na gente em silêncio. Caí pelado, nu de tudo, inclusive de orgulho. Não bati a cabeça, mas quase. O braço e a perna fizeram o milagre da vez. No chão, com o frio da cerâmica me abraçando, eu não me senti só ferido. Me senti frágil.


Fiquei ali, imóvel. Pensando. Não pelo susto, mas porque alguma coisa dentro de mim caiu junto. Pensei em mim, pensei na morte, pensei na logística da minha ausência. Quem ia perceber? Em quanto tempo? E se não percebessem? Imagina: quase cem quilos de corpo favelado, carregado por bombeiros, manchete em nota curta, velório improvisado, e eu indo embora sem avisar. Justo eu, que gosto tanto de falar.


A real é que tem dor que não se explica. E tem pensamento que não cabe num papo. A gente sente com o corpo, mas sofre com a alma. E quando a alma dói, mano, nem travesseiro ajuda.


Na cama, dolorido e sem sono, pensei no feijão da minha vó, no abraço da minha mãe, na bronca do meu pai que, no fundo, sempre foi cuidado disfarçado. 

Pensei na minha irmã e nas besteiras que a gente inventava pra brigar. No meu cachorro que latia como se a minha volta fosse milagre. No Sérgio, no Thiago, no Iéti, no Matheus, no Medeiros, na Mari, nos que não cabem nessa linha, mas que cabem demais no peito. Lembrei até do morro que eu subia, dos busão lotado, do vai e vem entre Belford Roxo, Caxias, Niterói. Um corre danado que eu jurei nunca mais querer — mas que hoje, confesso, dá saudade.


Só que a saudade não é vontade de voltar. É só memória querendo colo. E a gente aprende que tem passado que pesa, mas também sustenta. É isso que me faz seguir: saber que não tô só. Que mesmo longe, tem gente que é casa.


Tem dia que levantar da cama é um ato político. Tem dia que só existir já é resistência. E tem dia que não dá. Que o sorriso não vem, que a força falha, que a saudade vira nó. E tudo bem. Cansaço de alma não se cura com cochilo. Ele se cura com escuta, com afeto, com aquele abraço que diz “tamo junto”.

Não quero ser herói de ninguém. Mal consigo ser meu próprio alívio. Quero só existir sem ter que explicar o porquê do silêncio. Só isso. Um momento de paz entre um corre e outro. Um tempo onde não precise vestir a armadura. Porque por mais que eu segure a onda, às vezes a maré é grande demais.


A queda foi rápida, mas o que caiu dentro de mim ainda tá se levantando devagar. No fim, eu só escorreguei. Mas ali, no chão, eu caí em mim.


E é foda reconhecer que mesmo forte, a gente cansa.


Mas cansa, sim. E precisa de colo.


Nem que seja o da palavra.


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