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Agora é que são elas



Que a pandemia do novo Coronavírus afetou todos os habitantes do Planeta Terra é inegável. Sentimos na pele, cada um de sua maneira, os efeitos causados pela necessidade de distanciamento social; perda de entes ou amigos queridos; fechamento de empresas; fechamento de fronteiras; paralisação de atividades que antes não conseguiríamos sequer imaginar; falta de dinheiro; desemprego; desespero; fome... Os impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e psicológicos são inúmeros.

Se por um lado, podemos afirmar que os impactos da pandemia foram (e ainda são!) sentidos por todos os quase 8 bilhões de pessoas do mundo, não temos como negar que esses efeitos não são iguais para todos.

Somente a título de curiosidade, os bilionários ficaram 565 bilhões de dólares mais ricos durante a pandemia, lucrando em média 42 bilhões de dólares por semana. (Dados da Bussiness Insider, 2020).

Já quando analisamos outros números, também na casa dos bilhões - mas tristes bilhões - é possível identificar que a atual crise sanitária interrompeu a educação de 1,5 bilhão de estudantes (crianças e adolescentes) em todo o mundo. (Unesco, 2020).

Poderíamos fazer um recorte das diversas desigualdades que foram ainda mais acentuadas com a pandemia, mas brasileiras que somos, esse artigo, pensado e escrito por duas mulheres, propõe, por isso mesmo, uma reflexão sobre o impacto da pandemia na vida de mulheres. Mulheres empreendedoras, mulheres autônomas, mulheres donas de casa, mulheres desempregadas, mulheres mães, mulheres trabalhadoras, mulheres do Brasil…

Ainda estamos aqui, em pleno ano de 2021, aprendendo a transformar as velhas em novas formas do viver, como já dizia nosso querido Gil ao cantar a música “Tempo Rei”, pedindo ao Tempo para ensinar aquilo que ainda não sabia.

E por falar em velhas formas do viver, é importante lembrar que as mulheres durante muitos anos, décadas e séculos foram vistas como objeto, como um ser que nasceu somente para servir e ficaram sob o domínio dos homens. Os espaços públicos relativos ao comércio, às empresas, à política e às ciências foram dominados quase que exclusivamente por eles até o século passado.

Foi uma luta árdua, com muitos empecilhos e revoluções para chegarmos até aqui. Tivemos que lutar pelo trabalho; pela não exploração; por salário; por métodos contraceptivos; pelo acesso à educação; pelo direito ao voto; por liberdades civis; contra a violência. A nossa existência é uma história de lutas e reivindicações. As nossas vitórias, “Maria Maria”, só vieram com muita força, raça e gana sempre. Já dizia Milton, “quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida”.

No entanto, ainda temos um caminho tortuoso e muitíssimo longo para percorrer pela frente até conseguirmos viver em um país onde a igualdade de gênero seja realidade. Há de se admitir que as mulheres ainda precisam ocupar e desempenhar uma infinidade de papéis sociais, sejam eles: dona de casa, mãe, filha, irmã, trabalhadora, autônoma, cuidadora... Funções essas que se colocássemos na ponta do lápis, já deveria haver diploma, pós-graduação e até aposentadoria antes dos 40 anos, por ter um plano de carreira tão determinado desde quando chegamos ao mundo.

O trabalho não remunerado da mulher, principalmente o realizado no âmbito familiar, não é contabilizado por nosso sistema estatístico e não possui valorização social. Mas diferente do Brasil, a Argentina acaba de reconhecer o cuidado materno como trabalho, o que garantirá a cerca de 155 mil mulheres, que precisaram sair do mercado de trabalho para se dedicarem ao cuidado dos filhos, o direito à aposentadoria. Já aqui, o que acontece é uma enorme dificuldade em separar a vida familiar da vida laboral ou vida pública da vida privada, mesmo em se tratando da participação no mercado de trabalho.

Isso é tão sério que poucas mulheres sabem de fato que trabalham mais horas semanais que os homens. Segundo dados de 2015 do PNAD analisados pela pesquisadora Ana Luiza Neves de Holanda do IPEA, as mulheres dedicam mais de 18 horas por semana nos afazeres domésticos. Ou seja, além do seu trabalho remunerado, a mulher ainda exerce atividade não remunerada diariamente, pois a figura feminina ainda é muito associada às tarefas domésticas.

Somado a isso, um estudo feito pelo IBGE, publicado em matéria da Agência Brasil, mostra que as mulheres ganham menos do que os homens em quase todas as ocupações, ou seja, em média, ganham 20,5% a menos que os homens no país. Essa desigualdade salarial chega a ser ainda mais forte na Região Sudeste.

E nessa pandemia, como será que ficaram essas relações de horas trabalhadas e afazeres domésticos? O trabalho e a renda são esferas críticas para examinar as disparidades de gênero durante a pandemia. Setores altamente ocupados por mulheres foram os mais afetados economicamente durante a pandemia, sendo elas a maioria entre os desempregados, particularmente as mulheres negras (Rede de Pesquisa Solidária, 2020). Além disso, muitas mulheres abriram mão de seu trabalho para cuidar dos filhos em casa devido ao fechamento das escolas.

Uma pesquisa realizada pelo Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper sobre as consequências da Covid-19, na qual eu tive a oportunidade de ser uma das entrevistadoras de mulheres na Maré, trouxe dados necessários para entender o cenário da pandemia para as mulheres que residem em favelas. Segundo a Revista Piauí que retratou alguns desses dados, ao olhar para o mercado de trabalho nos últimos três anos, a participação das mulheres caiu de 53,3 % em 2019 para 45,8% de 2020. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), ao olhar só para os empregos formais, 81% das vagas foram excluídas de janeiro a setembro do ano passado e a maioria ocupadas por pessoas do sexo feminino.

Trazemos esses dados para ilustrar o que estamos falando para ver se em números conseguimos materializar o quanto precisamos lutar diariamente para equiparar esses papéis sociais. E não para por aí, porque uma coisa que a gente vem aprendendo com esse vírus é que o tempo é muito precioso e que precisamos valorizar cada segundo, inclusive, valorizar cada pessoa e se possível dizer o quanto ela é importante na sua vida. Porque com tantas mortes, dores, incertezas, estamos todos convencidos que nada é para sempre. E a única condição para estarmos vivos é que vamos morrer. Por esse motivo, cada tempo que passa conta e muito.

Nessa era tão digital, que até o dinheiro impresso já chegou ao ponto de ser raro de ver, cada vez mais vemos nosso tempo se converter em números, em likes, em tempo de uso nas redes sociais... Nunca tivemos tanta preocupação com o tempo ou ansiedade para vivê-lo ao ponto de acelerar vídeos no Youtube e absorver o máximo de informação possível. Isso tudo para dizer que é importante a valorização do tempo de qualquer ser humano, mas principalmente das mulheres, que em sua infinita maioria, têm uma jornada dupla de trabalho.

E esse trabalho não remunerado das mulheres custa muito caro, pois além de não serem reconhecidas e valorizadas como deveriam, com respeito, equidade de gênero e equiparação salarial; nós vivemos no Brasil, um dos países que mais comete violência doméstica no mundo.

No ano de 2020, auge da Pandemia, o feminicídio aumentou 22% e as chamadas ao 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência) aumentaram 27%. Os registros de estupros e lesão corporal dolosa decorrente de violência doméstica caíram em 2020, o que não significa uma queda real destas ocorrências, mas uma maior dificuldade em realizar denúncias durante a pandemia (Banco Mundial, 2020).

É sempre importante lembrar que ligar para o 180 pode salvar vidas, mas também é importante lembrar que a violência não necessariamente começa na agressão física. Também existe a violência psicológica, patrimonial, moral e sexual. Perceber e repreender essas atitudes é dever e responsabilidade de todos! Então se você não se posiciona sobre machismo na roda de amigos; se você já viu situações de violência e ficou quieto; se você protege o amigo que tem inúmeros relatos de agressão na conta; se você questiona o comportamento da vítima em casos de agressão; se você prefere ignorar o machismo estrutural porque está numa posição extremamente confortável... Você também é conivente com os dados demonstrados acima.

É claro que não podemos generalizar e sabemos que estamos rompendo com alguns hábitos machistas que sobrecarregam as mulheres. Mas vocês, homens, precisam se envolver nesse processo de mudança, pois não é uma responsabilidade só nossa sair desse lugar ou simplesmente estranhar que a relação não está justa. Qualquer forma de desigualdade afeta a sociedade. Desigualdades sociais, raciais e de gênero afetam profundamente as relações sociais.

É preciso reconhecer o valor da mulher em nossa sociedade. Precisamos todos, sem exceção, lutar por um país onde haja respeito e igualdade, onde os salários não sejam diferentes em decorrência do gênero, onde as mulheres possam se sentir seguras ao andar nas ruas e não tenham medo de serem violentadas, agredidas e mortas dentro de suas próprias casas, e colocar um freio nessas relações abusivas e desproporcionais. Se cada homem se colocar no papel de aliado da causa feminista, conseguiremos “transformar as velhas formas de viver”, como Gil sugere conversando com o Tempo. Somente assim é possível ter-se uma sociedade amplamente democrática.


Por Vivi Linhares & Luiza Siqueira

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